04 dezembro 2017

A COROAÇÃO DE BOKASSA I

4 de Dezembro de 1977. Tem lugar em Bangui (uma cidade de 300.000 habitantes situada no coração de África) a coroação de Bokassa I, o primeiro imperador do Império Centro-Africano. Ao contrário do que se possa pensar, não se trata do primeiro monarca africano a reclamar esse título: os soberanos da Etiópia usaram um título equivalente durante séculos. O que tornava a cerimónia mais memorável do que muitas coroações que houvera até aí (e outras que aconteceram depois) era a sua cenografia, que se ia decalcar aos costumes de um outro continente (Europa) e de um outro século (XIX). O novo imperador era não só um francófilo como um admirador entusiasmado da figura de Napoleão Bonaparte. E muito, senão quase tudo, do cerimonial pensado para ter lugar em Bangui destinava-se a mimetizar a coroação do seu ídolo que ocorrera em Dezembro de 1804 em Paris. Obviamente, com a distância de 5.000 km e de 173 anos, houve que fazer adaptações e são elas que aportam o lado mais bizarro aos acontecimentos. A cerimónia teve que ter lugar no pavilhão polidesportivo de Bangui, uma infraestrutura construída pelos jugoslavos ao abrigo de um protocolo de cooperação e o edifício com maior capacidade da capital. Só ali se podiam juntar os cerca de 5.000 convidados para a cerimónia, uma assistência em quantidade mas não em qualidade, visto que muitos dos convidados estrangeiros, a começar pelo Papa, incluindo outros monarcas e chefes de Estado declinaram prudentemente o convite. A censura implícita da comunidade internacional não dissuadiu a ostentação de que o futuro monarca deu mostras, aprecie-se nas imagens o trono, a coroa ou a capa escarlate de arminho. As cerimónias que se seguiram, nomeadamente o banquete, estiveram à altura: os cozinheiros eram obviamente franceses e as bebidas também: dezenas de milhares de garrafas de borgonha e de champanhe. Assim como os talheres, o serviço de copos e o serviço de pratos. A França bem podia destacar-se a pregar moral e a fazer-se representar ostensivamente na cerimónia pelo secundaríssimo ministro da Cooperação, Robert Galley, mas, como qualquer prostituta da Place Pigalle, a economia francesa aproveitou tudo o que podia da cerimónia para facturar. Facturou com o trono que foi criado pelo escultor Olivier Brice, facturou com o guarda-roupa imperial que foi desenhado por Pierre Cardin, facturou com a coroa em ouro puro e 7.000 quilates de diamantes que foi concebida pelos joalheiros da Arthus-Bertrand, facturou até com os oito cavalos brancos que puxavam a carruagem imperial, que vieram da coudelaria de Pin, na Normandia (com tanto azar que dois deles morreram quase no fim da cerimónia, obrigando a família imperial a terminar o seu passeio numa limousine). Tudo aquilo era um despropósito para um país com pouco mais de 2 milhões de habitantes, com os custos estimados da cerimónia a representarem qualquer coisa como 20% do seu PIB. Mas a última palavra do ponto de vista diplomático, estava reservada para o novo monarca, que não se esqueceu de manifestar o seu desagrado pela subestimação que a França lhe conferira: quando da cerimónia de apresentação de cumprimentos, o encarregado do protocolo de Estado implicou com o comprimento do vestido da esposa do ministro Galley, bloqueando a audiência até que aquela se fosse trocar. Naquele mundo velado de subtilezas que é o da diplomacia, a insolência visava mais do que a esposa daquele que seria um quase desconhecido ministro francês, visava a França através da filha do Marechal Leclerc de Hauteclocque.

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