10 maio 2018

A IDADE D(O FIM D)A INOCÊNCIA

10 de Maio de 1981 foi um Domingo. Nesses dias, ao fim da tarde, pelas 19H00, a RTP1 transmitia tradicionalmente um programa desportivo denominado Grande Encontro, cobrindo os acontecimentos da jornada futebolística. Apresentava-o, com a sua aparente bonomia, Mário Zambujal (acima). Os acontecimentos mais importantes do dia haviam sido as duas meias finais da Taça de Portugal, onde o Futebol Clube do Porto vencera nas Antas o Vitória de Setúbal por 2-1 e o Benfica vencera no Restelo o Belenenses por 1-0. Todo o programa girava à volta desse universo muito específico da bola jogada e, sobretudo, dos erros da arbitragem, quando súbita e surpreendentemente, um Mário Zambujal que desconhecíamos, vibrante em assuntos distintos que não o futebol, anuncia a vitória do socialista François Mitterrand nas eleições presidenciais francesas que se disputavam nesse mesmo dia. Os tempos eram outros e os protocolos televisivos também (nada de directos ou de interrupções abruptas da emissão), o que tornava a atitude de Zambujal completamente inusitada, já que o assunto iria decerto ser a notícia de abertura do telejornal que se iria seguir pelas 20H00. E uma pergunta surgia, pertinente, já que a eleição se mostrara de desfecho muito imprevisível: será que a atitude do apresentador e de quem conduzia o programa teria sido precisamente a mesma se o resultado tivesse sido a recondução do rival Valéry Giscard d'Estaing? É que esta suspeita de parcialidade em prol da esquerda surgia numa RTP que a mesma esquerda acusava repetidamente de parcialidade em prol da direita, manipulada pelas mãos habilidosas de Proença de Carvalho, por essa época popularizado pelo epíteto irónico de «Maquiavel à moda do Minho». Pois nesse dia 10 de Maio de 1981 apercebi-me que quando o Maquiavel minhoto estava em casa, de fim de semana, podia ocorrer um regabofe lá para as bandas da RTP, porque as simpatias das tropas eram outras e o comissário político não poder ir a todas. Uma lição de 37 anos que recordo e recupero ainda hoje quando penso, por exemplo, em David Dinis a disciplinar os jornalistas do Público. Em jeito de remate, refira-se que, se a esquerda, a democrática e a outra, se regozijavam colectivamente com a vitória de Mitterrand em França, coisa distinta eram os ajustes de contas domésticos, aprecie-se o contraste da página do dia seguinte do comunista Diário de Lisboa: Mário Soares vencera nitidamente (com cerca de ⅔ dos votos) o IV Congresso do PS que se desenrolara também nesse fim de semana, mas "não convencera". Como se houvesse alguém naquele jornal com abertura para se deixar convencer...

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