13 agosto 2017

HÁ QUARENTA ANOS, A «ANÁLISE» DA SITUAÇÃO POLÍTICA PELO MSU, ESSA SIGLA MISTERIOSA

Edição do Diário de Lisboa de 13 de Agosto de 1977. Com o destaque de uma página 2, o conhecido vespertino, cuja opinião se vinha progressivamente a fechar cada vez mais na órbita dos comunistas, publicava um documento de análise que fora distribuído por um tal de MSU - Movimento Socialista Unificado. Quem?... Por esta vez, vamos deixar o conteúdo do tal «documento» para o fim, tão previsível ele seria, pela época e pelo jornal onde aparece. A pergunta principal é a identificação da sigla que o assina, tarefa que não deveria ser árdua numa época em que o conhecimento das siglas era indispensável para a compreensão da actividade política: houve 12 formações políticas (e 12 siglas) concorrentes às eleições de 1975, 14 siglas às de 1976, para além de outras siglas - casos da LUAR ou do PRP/BR - que se recusavam a concorrer a «eleições burguesas», por eles resolvia-se tudo à metralhadora!... Mas este MSU escapara ao radar mais atento, aproveitara-se inteligentemente do vácuo noticioso de Agosto e fornecera um conteúdo (para usar uma terminologia que só virá a ser conhecida várias décadas depois) ideologicamente compatível ao Diário de Lisboa que o trouxera para as suas páginas principais. Mais do que isso, o artigo primava por não identificar ninguém da organização, por não deixar nem uma pista sobre a identidade dos analistas - que usavam o linguajar típico da extrema esquerda na época e arreavam no governo do PS com fervor, PS que eles consideravam que se «esgotaria» e «desagregaria». Mas isso eram as banalidades que se diziam entre a esquerda comunista e as várias extremas esquerdas. Quem eram afinal as caras desse misterioso MSU? Começando por um precoce (20 anos) António Vitorino, os autores prováveis de tanto empenho revolucionário terão passado depois, no Portugal pós-revolucionário, a ser conhecidos por exemplos de ponderação, como Joel Hasse Ferreira (que tinha então 33 anos), José Maria Brandão de Brito (30) ou Rui Namorado (36). Em retrospectiva, é engraçado como, com uma simples sigla apensa, um apurado sentido de oportunidade e mais uns contactos, e as opiniões de um pequeno grupo de amigos que não se representavam senão a si próprios já então se podiam projectar publicamente - desde que essas opiniões estivessem na conformidade da linha editorial (ideológica) do Diário de Lisboa! O que é que terá mudado nestes quarenta anos?...
Por um lado, a conformidade ideológica de hoje é a oposta. Oposta, mas de uma rigidez igual: onde outrora se criticava (a formação de) «preços acompanhando livremente as flutuações do mercado» hoje será um anátema defender a intervenção na formação dos preços, mesmo quando exista uma situação descarada de oligopólio concertado, por exemplo. Mas, a maior diferença formal, quando leio as páginas actuais dos simétricos do velho Diário de Lisboa, o i ou do Observador, é o desaparecimento do valor social da camuflagem das opiniões por detrás de siglas... O Pedro Marques Lopes ou o Paulo Pinto de Mascarenhas dispensam-nas.
O Secretariado Nacional do Movimento Socialista Unificado, em documento recentemente distribuído, analisa a situação política actual, nomeadamente a evolução recente do PS, ilustrada pelas legislativas «que já atingiram e irão atingir as transformações de conteúdo progressista que a sociedade portuguesa sofreu na sequência do processo desencadeado com o 25 de Abril».
«O PS», comenta o MSU, «viu progressivamente restringir-se o seu campo de actuação autónomo, sendo obrigado a realizar uma aliança de facto com o PPD/PSD, a qual atinge neste momento uma importância cada vez mais difícil de escamotear. Tal facto é acompanhado naturalmente pelo apoio expresso ou pela tolerância colaborante do CDS».
«Na realidade», prossegue o documento, «abre-se assim o caminho à reconstrução de poderosos grupos capitalistas “gratificados” com dezenas de milhares de contos, à reprivatização de sectores económicos, ao desemprego e à arbitrariedade patronal, à tentativa de destruição das expressões ainda existentes de Poder e controlo operário, à eliminação das transformações estruturais que, nos campos, haviam permitido aos jornaleiros do Alentejo e Ribatejo, aos pequenos e médios agricultores e aos rendeiros principiarem a libertar-se da sua sujeição de séculos».
O Secretariado Nacional do MSU acentua que a tradução destes factos, a nível do poder político, está patente no recurso, cada vez maior, «a uma prática autoritária e intolerante» que se exprime nas «acções censórias» nos órgãos de informação nacionalizados, na «repressão policial», nos «atentados às liberdades fundamentais» como a liberdade de expressão, associação e manifestação.
O MSU, depois de lembrar que não é a primeira vez na História que a social-democracia, pressionada pelos próprios condicionalismos da luta de classes, é forçada a abandonar a sua ambiguidade e os seus malabarismos centristas e a colocar-se abertamente ao lado da burguesia, «oprimindo e reprimindo os trabalhadores», refere o prometido empréstimo de 750 milhões dependente «da aceitação das condições impostas pelo FMI: contenção de salários, desemprego, preços acompanhando livremente as flutuações do mercado, fomento da iniciativa privada, desvalorização da moeda, aumento dos preços dos produtos essenciais».
O MSU considera, no entanto, que existe em Portugal um forte Movimento Sindical «que nenhuma “Carta Aberta” conseguiu seriamente abalar», um movimento operário «combativo e ainda não esmagado». Logo, é de admitir que «as consequências da passagem à prática dessas condições, assim como de medidas como a contra-reforma agrária no Alentejo, irão precipitar e desencadear tensões sociais e conflitos de dimensões imprevisíveis».
Segundo o MSU, por esgotamento e desagregação do PS, «outra fórmula governamental se imporá a curto prazo, e será de admitir que, pelas suas contradições internas ou por não desejarem sofrer o desgaste que o exercício do Poder, nestas circunstâncias, produz, os demais partidos da burguesia procurarão encontrar uma forma transitória de Poder de tipo presidencialista».

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