29 novembro 2016

«O CAFÉ» (1973)


«O Café» (1973) é uma canção da autoria de Fernando Tordo e José Carlos Ary dos Santos, mas onde se desconfia ter havido toque de orquestração de José Calvário. É esta última que acaba por conferir à canção uma sonoridade de época. É a sonoridade típica dos primeiros anos da década de 1970, transmitindo um dinamismo optimista (a economia crescia então a um ritmo de 10% ao ano), uma sensação que era para ser neutralizada se atentássemos ao conteúdo da letra, na sua mordacidade e na descrição dos vários tipos sociais, muito semelhante no formato, aliás, à muito mais conhecida Tourada dos mesmos dois autores, que viria a ganhar o Festival da Canção da RTP desse mesmo ano de 1973. Há quem diga que a inspiração de Ary dos Santos terá sido a frequência de então da pastelaria Vavá. Talvez. De qualquer modo, não são apenas as descrições dos tipos sociais que estão datadas, alguns dos coloquialismos de que o letrista se socorre hoje praticamente desapareceram (penante, fava-rica, pescado do alto). Mas a canção possui a virtude de, na sua ligeireza despretensiosa, mostrar como em 1973 não se fazia a mínima ideia daquilo que estava para acontecer, quer nas economias do Mundo Ocidental, com a recessão do choque petrolífero, quer na política em Portugal, com as transformações radicais do 25 de Abril. Chamar a esta uma música de intervenção, como por aí vi escrito, nem chega a ser um disparate. As presciências só vieram depois, e têm-se tornado cada vez mais prescientes há medida que os anos passam.

Chegam uns meninos de mota,
Com a china na bota e o papá na algibeira
São pescada marmota que não vende na lota
Que apodrece no tempo e não cheira
Porque o tempo
É a derrota

Chegam criaturas fatais
Muito intelectuais tal como a fava-rica
Sabem sempre de mais,
Escrevem para os jornais com canetas molhadas na bica
E a inveja (sim, a inveja!)
É quanto fica

Como quem está num chá dançante
Duas velhas de penante depenicam uma intriga
Debicando bolinhos vários
Dizem mal dos operários que são a espécie inimiga

Chegam depois boas maneiras
Com anéis e pulseiras e sapatos de salto
São as bichas matreiras que só dizem asneiras
São rapazes pescado do alto
E o que resta
É pó de talco

Chegam depois os vagabundos
Que por falta de fundos não ocupam a mesa
Têm olhos profundos,
Vão atrás de outros mundos que pagaram com sono e beleza
Mas o troco
É a pobreza

Chegam finalmente os cantores
Os que fazem as flores neste mundo de gente
São os modernos trovadores
Que adormecem as dores numa bica bem quente

Como quem está num chá dançante
Duas velhas de penante depenicam uma intriga
Debicando bolinhos vários
Dizem mal dos operários que são a espécie inimiga

Chegam depois boas maneiras
Com anéis e pulseiras e sapatos de salto
São raposas matreiras que só dizem asneiras
São rapazes pescado do alto
E que resta
(Evidentemente que é) Pó de talco

Chegam depois os vagabundos
Que por falta de fundos não ocupam a mesa
Têm olhos profundos,
Vão atrás de outros mundos que pagaram com sono e beleza
Mas o troco
É sempre a pobreza

Chegam finalmente os cantores
Os que fazem as flores neste mundo de gente
São os modernos trovadores
Que adormecem as dores numa bica bem quente.

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