17 novembro 2016

A DESCOLONIZAÇÃO ESPANHOLA

Espanha, 19 de Novembro de 1975. O generalíssimo Francisco Franco entrara em agonia (morrerá no dia seguinte), mas a História de Espanha não se compadece dos estados de saúde dos seus filhos, por muito grandes que sejam. No Palácio de Zarzuela, João Carlos de Borbon, então ainda regente em nome do moribundo, apunha a sua assinatura à Lei 40/75 que autorizava o governo de Carlos Arias Navarro, a partir daquele próprio dia, a realizar os actos e adoptar as medidas que fossem necessárias para levar a cabo a descolonização do território não autónomo do Sahara. Quarenta e um anos depois, sabe-se que, com as atenções e as preocupações de Espanha absolutamente centradas naquilo que aconteceria em Espanha depois da morte de Franco, este documento não passava de uma chancela a uma decisão que já fora tomada de antemão: a descolonização espanhola. Um embaraço político da História de Espanha de que nunca se ouve falar. Mas, voltemos ainda 75 anos mais para trás, para os primórdios do século XX, explicando a colonização para depois falar da descolonização.
Em 1900, a Espanha era o único país da Europa Ocidental que não possuía colónias. As últimas que mantivera daquele que fora o mais poderoso Império do Mundo nos séculos XVI e XVII, as Filipinas, Cuba e Porto Rico, acabara de as perder para os Estados Unidos numa guerra travada (e perdida) em 1898. Limitada geograficamente nas suas opções onde refazer um novo império colonial, e impondo-se adquirir algo que países que considerava abaixo da sua categoria de potência possuíam, caso dos Países-Baixos, de Portugal, da Bélgica ou mesmo da Dinamarca, a Espanha, para se expandir, foi retomar um projecto estratégico que fora português no século XV (começado com a tomada de Ceuta em 1415 e abandonado com a batalha de Alcácer Quibir em 1578): o prolongamento da Reconquista em terras africanas. No mapa acima, vêm-se os contornos da província nortenha do Marrocos espanhol. Mas não foi só. Aproveitando-se da localização geográfica do arquipélago das Canárias, a Espanha também se apropriou das regiões desérticas a Sul do núcleo histórico de Marrocos (abaixo, assinalado a rosa).
Estas regiões meridionais valeriam pelo prestígio colonial. Não se revelavam remuneradoras. Eram escassamente povoadas. Lembre-se a persistência que foi preciso que o Infante (Henrique) incutisse nos seus navegadores do século XV para que eles explorassem as suas costas (é ali que se situa o famoso cabo Bojador de Gil Eanes), sem que estes vissem alguma utilidade imediata nas explorações. Em 1968, os 266.000 km² do Sahara espanhol (que equivalem a 3 vezes a área de Portugal continental) tinham uma população de apenas 48.000 habitantes. A capital, El Aaiún agrupava tão somente umas 5.500 pessoas. No entanto, a perspectiva de uma subsistência económica autónoma da comunidade consolidara-se depois da descoberta de fosfatos em Boucraa em 1962, uma daquelas matérias-primas que, como o petróleo, só se tornara importante depois da revolução industrial. Naturalmente, as ambições de Marrocos sobre o território foram potenciadas por essa descoberta. E, para conquistar/recuperar o Sahara, Rabat sabia que o tempo contava a seu favor...
Franco nascera em 1892, ultrapassara os 80 anos e o regime que vigorava em Espanha assentava na sua pessoa. A sua morte iria ter repercussões internas importantíssimas e fragilizar a Espanha. Esse seria o momento propício para, na perspectiva marroquina, atacar a Espanha a respeito do Sahara. O instrumento usado pelos marroquinos foi uma invasão de civis, denominada marcha verde. A reacção militar dos espanhóis, temerosos de se verem num conflito idêntico ao que os vizinhos portugueses se tinham visto envolvidos na Índia em 1961, foi nula. Não se vislumbrou nenhuma atitude dos militares espanhóis em baterem-se pela defesa do território colonial ou pela salvaguarda da autodeterminação dos habitantes sarauis. E foi com a corda na garganta que a diplomacia espanhola se sentou à mesa das negociações. Quando Juan Carlos promulga a Lei 40/75 por onde começámos este texto, já o Acordo Tripartido de Madrid fora assinado (14 de Novembro), envolvendo a Espanha, Marrocos e a Mauritânia. O documento possuía vários anexos secretos. As medidas para que a descolonização do território não autónomo do Sahara tivesse lugar, já haviam sido todas tomadas... Marrocos e a Mauritânia repartiram entre si a antiga colónia espanhola. Constatemos que não terá sido um dos momentos maiores das suas armas e da sua diplomacia.
Se fizermos o paralelo com o que então estava a acontecer também em Timor (um vizinho poderoso que ambicionava anexar a antiga colónia sem lhe reconhecer qualquer direito à autodeterminação), é que Portugal não se dispôs a firmar um acordo com a Indonésia, validando o que parecia inevitável. A Espanha fê-lo com Marrocos e, ainda por cima, reclama que terá acabado saindo aldrabada. Nos anos seguintes, os problemas dos dois antigos territórios coexistiram nas preocupações do Comité de Descolonização das Nações Unidas. O de Timor foi entretanto e felizmente resolvido. A questão que se coloca quanto à realização de um referendo sobre a autodeterminação do território, equivalente ao que se realizou em Timor, caiu num impasse e prende-se com a qualificação de quem pode participar: para os nacionalistas sarauis só deviam participar os cerca de 86.000 eleitores residentes ou deles descendentes que ali residiam em 1975; para os marroquinos devem participar todos os que residem no território, embora com algumas restrições; porém, neste momento, quando a população do território já ultrapassou as 500.000 pessoas, os marroquinos são uma esmagadora maioria e, com esse critério, o resultado do referendo não é difícil de prever. Falava-se mais em Portugal de Timor do que em Espanha sobre o Sahara...

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