24 maio 2016

...E QUAIS SÃO AS NACIONALIDADES DOS CREDORES?

A caricatura acima tem o traço, a verve e a inspiração reconhecíveis da revista The Economist. Apesar de nos mostrar um Matteo Renzi que se afunda com o seu país agrilhoado ao peso da dívida, o teor da notícia que o desenho ilustra é até particularmente elogioso para com o papel que a Itália possa vir a desempenhar para ultrapassar o marasmo em que, mais do que apenas a Itália, toda a Europa parece ter submergido. Mas é a própria imagem que desencadeia uma das dúvidas mais constantemente contornadas quando se fala da actual situação financeira mundial: qual é a identidade, qual é a nacionalidade dos credores que detém as dívidas soberanas, como a italiana mas também a grega, a espanhola, ou a nossa? Mesmo os leigos perceberão que aquela bola de ferro que arrasta Renzi não será um peso morto só por si, dividida em gomos (pesados) ela pertencerá a alguém. A quem? Se pegarmos no caso da dívida grega, que é a que mais estará a ser escrutinada pelas razões óbvias, até nesse caso, as explicações são manifestamente insuficientes. Num apanhado realizado em Fevereiro de 2015, há consenso quanto ao montante em dívida - 323 mil milhões de euros - mas há parcelas que o compõem que são tudo menos esclarecedoras: a) Outros Títulos - 48,8 mil milhões (que títulos e quem os detém?); b) Outros Países da Eurozona - 34,0 mil milhões (que países e que montantes?); c) Outros Empréstimos - 10,5 mil milhões (quem emprestou?); d) Bancos Estrangeiros - 2,4 mil milhões (que bancos e de que nacionalidades?). A Grécia será o país cuja dívida soberana será a que estará a ser publicamente mais escrutinada e, mesmo assim e à primeira vista, não se parece perceber lá muito bem quem detém 30% dela. A Itália não está melhor e Portugal tão pouco. Experimente-se repetir o mesmo exercício de tentar encontrar na internet informação sobre as nacionalidades de quem detenha dívida soberana de outros países dos PIGS (incluindo Portugal) que eu desejo-lhe boa sorte... Quando de um óbito habilitam-se os herdeiros, quando de uma falência fazem-no os credores, mas aqui o que parece vantajoso é deixar correr as coisas (sem que os devedores provoquem ondas de choque por suspenderem os pagamentos) e passar-se desapercebido.
Esta capa de opacidade que cai sobre dados económicos que, por princípio, deviam estar facilmente disponíveis e deviam ser transparentes, lembra-me um episódio que me aconteceu já lá vão muitos anos. Foi um exercício a que me dediquei a partir dos dados daqueles anuários sobre todas as economias mundiais (acima). A partir da constatação que a esmagadora maioria dessas economias registavam deficits nas sua balanças comerciais dei-me à pachorra de as transpor a todas para uma folha de cálculo para verificar se estatisticamente seria verdade aquilo que seria óbvio: que o Mundo teria um comércio externo saldado. Mas não, e a diferença era substantiva, e o mesmo se passava com os saldos agregados das Balanças de Pagamentos¹. Foi um momento revelador do que pode ser a fiabilidade destes dados macroeconómicos. Isso, ou então há comércio externo com a Lua... Mas, regressando à questão inicial, a das dívidas soberanas, aqui põe-se um problema para além da sua adulteração: a sua omissão. E isso torna-se importante para avaliarmos quais os interesses em causa quando das posições antagónicas para a resolução da dívida grega. Há uma reunião para isso hoje: parece haver uma divergência de fundo entre os europeus e o FMI. A posição do FMI parece mais branda, mas a reputação histórica do FMI (de que não facilita nada a ninguém) faz com que eu não acredite em histórias daquelas com índios (maus - alemães) e cow-boys (bons - FMI), conforme nos conta Wolfgang Münchau. Para assertividades dessas creio que nem precisamos de importações da Europa, já cá temos jornalistas económicos como o Camilo Lourenço... O que eu aqui me lamento é que gostaria de ter dados para formar alguma opinião sem depender do que escreve o Münchau. Saber quem deve o quê a quem ajudava. E como não sei e como não sou jornalista e não sou obrigado a mandar palpites mesmo que esteja às escuras, queixo-me e calo-me.

¹ Repetido o exercício com uma listagem de Balanças de Pagamentos mais actualizada (de 2015), ficou por explicar um saldo excedentário que equivale sensivelmente a metade do deficit dos Estados Unidos - acessoriamente o país do mundo com a Balança de Pagamentos mais deficitária segundo os dados da própria CIA.

4 comentários:

  1. No caso português o melhor que se consegue é o que está aqui http://www.igcp.pt/fotos/editor2/2016/Apresentaaao_Investidores/IGCP_Investors_20160523.pdf nas pág. 68-70

    O BCE tem informação mas pouco desagregada https://sdw.ecb.europa.eu/browseChart.do?sk=325.GFS.A.N.AT.W1.S13.S1.C.L.LE.GD.T._Z.XDC_R_GD._T.F.V.N._T&sk=325.GFS.A.N.AT.W2.S13.S1.C.L.LE.GD.T._Z.XDC_R_GD._T.F.V.N._T&REF_AREA=258&node=9485607&DATASET=0&SERIES_KEY=325.GFS.A.N.PT.W1.S13.S1.C.L.LE.GD.T._Z.XDC_R_GD._T.F.V.N._T

    Leitor

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    1. Consultados os dois sites que me recomendou, não conseguiu perceber do que constava este último do BCE. Quanto ao primeiro, o do IGCP, e se bem percebi o que constava das páginas em referências (corrija-me se estiver enganado), aquilo referir-se-á a uma amostra de 12 mil milhões de euros da nossa dívida. Ora, a última vez que fiz contas o montante da nossa dívida soberana corresponderá a 20X isso.

      Parece ser uma tarefa titânica e, no entanto, tem de ser mais fácil do que identificar os detentores das grandes parcelas de capital de uma grande SA.

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  2. Obrigado.

    Para a próxima vez preferia personalizar um pouco mais o agradecimento...

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  3. Talvez seja mais fácil e objectivo analizar quem realizou a dívida, quem são os cobradores e quem são os pagantes.

    Com uma moeda comum supra-nacional (mal engendrada) e uma dívida dita, ainda, nacional (embora de ex-nações) a nacionalidade dos credores é múltipla, difusa entre instituições, elas mesmas, multinacionais.
    A nacionalidade dos devedores, essa, é clara.

    Resta registar quem foram os nacionais que contrairam a dívida, em nome de quem. Sabe-se, mas é tabú.
    Por outro lado os representantes dos credores, os homenzinhos de fraque, são claramente os funcionários da dita UE.

    Naçionalidades?. Apenas aguerridos investidores/financeiros de um lado. E devedores/contribuintes, nacionais, à força, do outro. JS

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