06 maio 2016

CONSIDERAÇÕES SOBRE AS IDIOSSINCRASIAS DOS INQUÉRITOS BRITÂNICOS

A recente publicação de um relatório sobre o Desastre de Hillsborough, 27 anos depois dos acontecimentos que levaram à morte de 95 adeptos num estádio de futebol terem acontecido, mostra como os britânicos, quando querem, são de uma capacidade inimaginável para deferir e reavaliar conclusões. Vinte e sete anos transcorridos servem sobretudo para esquecer que o Desastre fora já objecto de um outro relatório, concluído nove meses depois dos acontecimentos, em Janeiro de 1990. Terá sido azar que as conclusões então extraídas, e naquilo que seria o mais importante (o apuramento de responsabilidades), eram diametralmente opostas ao relatório agora publicitado...
Produzir relatórios, apesar da pompa e circunstância de que eles se rodeiam, parece poder ser uma actividade desavergonhada de indecorosa no Reino Unido. Lembre-se o muito mais interessante Inquérito a( intervenção n)o Iraque que o então primeiro-ministro Gordon Brown anunciou em Junho de 2009. Os trabalhos de audição da comissão de inquérito, presidida por Sir John Chilcot, um diplomata de carreira (que acabou por emprestar um nome alternativo ao inquérito), começaram em Novembro de 2009 e terminaram em inícios de Fevereiro de 2011. Esta fotografia acima, em que a testemunha é o ex-primeiro-ministro Tony Blair (de costas), data de 21 de Janeiro de 2011. Por cá, ainda José Sócrates se sentia capaz de desmentir notícias do The Guardian que o faziam a telefonar desesperadamente a Merkel para evitar a vinda do FMI... Os membros da comissão tiveram portanto muuuuito tempo (o mesmo que Pedro Passos Coelho teve para salvar o país...) para redigirem as suas conclusões. Que ainda não estão publicadas, cinco anos depois. É mais fácil assistirmos à morte de um dos membros da comissão - Martin Gilbert, o da ponta direita da fotografia acima, que adoeceu em 2012 e morreu em 2015 - do que saber-se aquilo que concluíram da conduta do governo britânico em 2003 em apoio dos Estados Unidos. Não ajuda à transparência de algo que parece já enquinado que o actual primeiro-ministro David Cameron, que em Outubro passado criticara o arrastar do processo da sua divulgação, surja agora com a responsabilidade de fazer o mesmo, pelo menos até à realização do referendo sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia. Não é apenas a opinião pública portuguesa que se pode mostrar impotente perante situações escandalosas: há muitas outras, e respeitáveis, pelo mundo fora...

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