05 março 2016

A ALEMANHA, DOS TRABALHADORES CONVIDADOS («GASTARBEITER») AOS REFUGIADOS QUE AGORA VÊM SEM CONVITE

Os alemães têm uma reputação de falta de imaginação mas é uma reputação muito injusta. Quando se trata de inventar designações funcionais não há como eles para comporem aquelas palavras que só o idioma alemão permite e que, quando necessário, dissimulam mais do que revelam. É assim que, por exemplo, na Segunda Guerra Mundial a designação sonderkommando (destacamento especial) tanto podia designar uma unidade SS encarregue de exterminar os judeus, como um grupo de judeus encarregue de limpar o trabalho que era realizado pelos mesmos SS. É nesse sentido eufemístico mas também elástico que devemos tentar entender o significado da palavra gastarbeiter, que significa literalmente trabalhador convidado. O convite é algo que soa a educado mas também pressupõe que o anfitrião se reserva o direito de expulsar o convidado. O desenvolvimento alemão do após-guerra desencadeou uma necessidade premente de mão de obra. É uma constatação que pode despertar a estranheza nos dias de hoje, quando as empresas para se mostrarem mais competitivas anunciam despedimentos de pessoal, mas, nesses tempos, desenvolvimento era sinónimo de aumento do volume e de mais oportunidades de emprego. No caso alemão e até 1961 a economia da Alemanha Ocidental tivera como local privilegiado de recrutamento a Alemanha Oriental. Esses não eram gastarbeiter, eram compatriotas que mudavam de residência. Mas, depois da construção do Muro de Berlim, o fluxo estancara. A mão de obra vinda do resto da Europa passou, a partir daí, a revestir-se de uma outra importância. Na capa de uma Der Spiegel publicada em 10 de Setembro de 1964 (acima) assinalava-se a chegada à Alemanha do milionésimo gastarbeiter que, por curiosidade, era um português chamado Armando Rodrigues de Sá.
Realizou-se uma cerimónia oficial de boas vindas à sua chegada à estação de caminho de ferro de Colónia. Ofereceu-se-lhe um ramo de flores e uma mota. Na fotografia acima pode ver-se o letreiro redigido em espanhol (seriam dúvidas quando à nacionalidade do homenageado? - algumas fontes que consultei insistem em tratá-lo por Armando Rodriguez...), português e alemão em nome da Associação Alemã dos Empresários. Uma outra fotografia do evento mostra o nosso compatriota satisfeito e colaborante mas não propriamente muito consciente do significado da cerimónia que o homenageava. Nem ele, nem também os anfitriões, sabiam então que aqueles anos representariam o zénite das necessidades alemãs de mão de obra. Daí por muito poucos anos tanto charme passaria a ser dispensável e isso pode ser acompanhado pela evolução do tratamento dado aos estrangeiros em capas da mesma Der Spiegel. A prática mostrou que, apesar de chegarem por convite, numa sociedade democrática era muito difícil mobilizar e desmobilizar os imigrantes de volta aos seus países de origem conforme as conveniências próprias e sem atender à sua vontade. Assim, na década seguinte já os gastarbeiter começaram a ser nomeados por nacionalidade, o milhão já era de turcos (Türken) e o problema a sua tendência para habitarem juntos em guetos. Já após a reunificação (1990), a pergunta - que parece respondida pela sugestão da composição da capa - passava a ser se não haveria estrangeiros (Ausländer) a mais na Alemanha. Na última das capas, que é quase actual, já os estrangeiros que chegam são tratados por refugiados (Flüchtlinge) e a pergunta é sobre que destino lhes dar...

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