05 maio 2021

BOBBY SANDS E AS GREVES DA FOME DO IRA

Em 5 de Maio de 1981 morria, após ter permanecido 66 dias em greve da fome, o militante do IRA Robert Bobby Sands (1954-1981) então a cumprir uma pena de prisão. A razão para o protesto fora, aparentemente, a abolição de um estatuto especial concedido aos presos que equiparara os militantes apanhados de armas na mão a um tratamento melhorado, assimilável aos prisioneiros de guerra. O estatuto – que permitia aos prisioneiros poder envergar roupa própria, não ter de trabalhar e possuir um regime bonificado de visitas e de encomendas – era um reconhecimento implícito – quase legitimizador... - dos objectivos políticos das acções terroristas dos grupos paramilitares irlandeses (o IRA, mas também o INLA católico ou a UDA e a UVF protestantes), que o governo conservador de Margaret Thatcher lhes pretendeu retirar mal chegados ao poder em Maio de 1979. O braço-de-ferro entre o IRA (e o INLA – mais de 90% dos presos eram católicos) e Londres tornara-se mais do que previsível. Competia aos primeiros dar-lhe publicidade e fizeram-no recorrendo a um expediente que adquirira tradição durante as lutas que haviam conduzido à independência da Irlanda: a greve da fome. Sands foi o primeiro de uma série de presos que, faseadamente, iriam entrar em greve de fome.
Muitas fotografias de um sorridente grevista de 27 anos foram lançadas para a comunicação social enquanto, do outro lado, os britânicos proibiam as que o exibissem no seu estado real, à medida que perdia peso. Por isso, são raras as fotografias de Sands como a acima, com uma expressão neutra. Um acaso veio em auxílio do IRA: um deputado republicano católico morreu e houve que proceder a uma eleição intercalar para o substituir num círculo eleitoral onde a concentração de católicos tornava possível a eleição de um nacionalista irlandês. Foi o que aconteceu e Bobby Sands, apesar de concorrer preso, foi eleito como deputado, animando ainda mais um processo que, por essa altura, já alcançara uma notoriedade internacional, lesiva da imagem do Reino Unido. Seria que o governo britânico iria libertar Sands quando ele alcançou o seu novo estatuto de MP¹? Não. Como disse Margaret Thatcher numa nova movimentação de uma prolongada guerra de propaganda: Um crime é sempre um crime, o que não tem nada de político. Mais do que isso, preventivamente, a Câmara dos Comuns apressou-se a aprovar uma lei em se passavam a rejeitar as candidaturas a quem estivesse detido condenado a sentenças de uma duração superior a um ano, o que excluiria todos os camaradas de Sands no caso deste vir a falecer.
O que veio a acontecer há precisamente 40 anos. Igual a si própria, implacável, a primeira-ministra emitiu a propósito um comentário que se percebia ter sido preparado para aquela eventualidade: O Sr. Sands era um criminoso condenado. Foi ele que escolheu dispor da sua própria vida. Foi o género de escolha que a sua organização não permitiu que muitas das suas vítimas fizessem². Não se percebeu então, mas atingira-se o zénite da crise e a determinação do governo britânico vencera-a. Nesse mês de Maio de 1981 mais três presos em greve de fome morreram, mas Margaret Thatcher realizou uma visita a Belfast, onde voltou a reafirmar a sua intenção de não ceder. Caídos na armadilha da lógica mediática, as mortes dos grevistas, mais do que a acumularem-se, começaram a banalizar-se. Em princípios de Agosto de 1981 já se contavam dez mortos entre os grevistas da fome (abaixo), e, visivelmente, o tempo não estava a correr a seu favor. Só perdiam militantes com um grau de notoriedade marginalmente cada vez menor. Mas foi só três dias depois do anúncio público do fim das greves da fome, em Outubro, que os britânicos anunciaram que concediam aos presos algumas das condições que eles haviam vindo a reclamar desde o princípio.
¹ Membro do Parlamento.
² Mr. Sands was a convicted criminal. He chose to take his own life. It was a choice that his organisation did not allow to many of its victims.

6 comentários:

  1. Caro A.Teixeira,

    Em primeiro ligar e aprendendo com licoes passadas:
    Bom texto. Boa sumula do incidente.

    O que se segue, da minha parte e, como habitual, eu a perder tempo com pormenores...

    "Não se percebeu então, mas atingira-se o zénite da crise e a determinação do governo britânico vencera-a."

    Nao tenho a envergadura de leituras do A.Teixeira neste assunto mas penso que esta afirmacao so pode verdadeira numa interpretacao muito estreita do significado da palavra "victoria"... victoria, so se for de Pirro...

    1 - a crise revelou a magnitude do apoio popular que o IRA detinha na Irlanda do Norte - a opiniao publica "descobriu" que afinal... os terroristas eram tao populares que ate eram elegiveis no Sistema eleitoral britanico - o qual convem lembrar, nao esta desenhado, de todo (e feitio nao e defeito), para representar forcas politicas menores
    2 - a crise revelou-se como um importante fulcro para as campanhas de recrutamento do IRA durante a decada de 80
    3 - a crise permitiu unificar todo o movimento nacionalista irlandes contra uma figura de proa - a propria Thatcher - esta unificacao por sua vez aumentou as fontes de financiamento (baseadas nos EUA) e o escalar de operacoes subversivas que deixaram de ser regionais (na provincia) e passaram a ter alcance nacional (Gra-Bretanha)
    4 - a crise transformou a imagem publica do IRA e do Sein Feinn de franjas extremistas na provincia para um movimento com forte potencial de se auto-legitimizar politicamente - conforme veio a acontecer, de resto.
    5 - no final da crise o governo britanico acabou a conceder quase todas as reivindicacoes dos prisioneiros - nao acredito de todo ter sido acidental que as concessoes datam 3 dias apos o fim da greve de fome - obviamente houve negociacoes.
    Ora negociacao, e a implicita aceitacao do IRA como forca politica relevante (nao se negoceia com formigas - esmagam-se), era precisamente o objectivo por tras de toda esta campanha do IRA.

    Dito isto: nao acredito estar aqui a escrever nada que o A.Teixeira nao tenha lido ja. Os seus textos, habitualmente sao bemn fundamentados pelo que disposto a ser convencido de que estou radicalmente errado algures.

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  2. Meu caro Lowlander

    Obrigado pelo seu comentário. É sempre bom ter um bom pretexto para desopilar mais um bocadinho do que aquilo que se escrevera. Na minha opinião, a História dos 17 anos que se seguiram à morte de Bobby Sands não conduziram inelutavelmente à assinatura do acordo de paz de Sexta-Feira Santa em Abril de 1998, como me parece depreender daquilo que escreveu.

    Houve muitos zigs e muitos zags durante esses 17 anos para considerar que a vitória dos britânicos foi, como escreveu, pírrica. Como eu assinalo no texto, foi o IRA que teve de parar de imolar militantes no braço de ferro que encetou com o governo britânico, depois de 10 mortos. Esse facto parece-me o decisivo para a avaliação de quem ganhou o "braço de ferro".

    Agora, quanto a alguns pontos que assinala, tenho deles uma leitura diferente: o episódio Sands não terá tido impacto significativo no reforço dos meios humanos e materiais do IRA. Esses nunca haviam faltado, como se mostra através das suas actuações ao longo da década de 70, a culminar com o assassinato de Mountbatten e a emboscada de Warrenpoint no mesmo dia.

    A «unificação» dos nacionalistas irlandeses que refere foi apenas circunstancial, os moderados do SDLP abstiveram-se de apresentar candidatos que dividissem o voto católico naquele caso mas repare que, aquele mesmo círculo que Bobby Sands venceu em 1981, regressou aos unionistas em 1983, quando o voto católico se voltou a dividir.

    Considero que não foi a crise que acabou conferindo credibilidade ao IRA, mas antes a chegada à liderança de Gerry Adams como sucessor de Ruairí_Ó_Brádaigh em 1983. A nova política foi denominada de «Armalite and Ballot Box», ou seja, continuação do terrorismo mas concorrendo eleitoralmente nos círculos que se apresentassem vantajosos. Conferiu respeitabilidade à organização. Diga-se que a ETA passara a fazer a mesma coisa em Espanha com o Herri Batasuna.

    Essa mutação política que, como já escrevi acima, teve muitos zigs e muitos zags, tanto mais que, do outro lado, também os unionistas se encaminharam progressivamente para um radicalismo cada vez maior, em que o DUP de Ian Paisley se superiorizou ao UUP tradicional.

    Entre os zigs e os zags, ainda se lembra da bomba que o IRA pôs em Brighton em 1984, para acabar com Margaret Thatcher? E do «Anglo-Irish Agreement de 1985», que ficou letra morta? Na minha opinião, muita água correu debaixo das pontes, até ao acordo de 1998. Um factor que, na minha opinião, contribuiu para o equilíbrio da situação é que os padrões de vida se inverteram nos dois lados da fronteira: agora vive-se melhor em média do lado da Irlanda do que no Ulster.

    E isso terá esvaziado o conteúdo da causa dos unionistas que, esses sim, têm sido o obstáculo à unificação da ilha. Será impressão minha, mas assim, à primeira vista, Boris Johnson tem dado mostras que se está a marimbar para eles, os unionistas e que a "coisa" (reunificação) está dada como adquirida no futuro. Mas isso sou eu a especular.

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  3. Estive a ver na wikipedia coisas sobre Bobby Sands. Tanto quanto percebi, Sands nunca matou ninguém e foi condenado a prisão apenas por posse de arma - um crime, digamos, menor. Isso, em minha opinião, esvazia de valor os comentários que Margaret Thatcher fez sobre ele, na medida em que ele, de facto, não tinha sangue nas mãos. Estará a minha interpretação correta?

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  4. Caro A. Teixeira,

    O Gerry Adams esteve preso nos anos 70, fez greve de fome ele proprio enquanto preso e esteve fortemente envolvido nas negociacoes e nas tomadas de decisao do IRA durante a crise de 1981.
    A orientacao estrategica (eleicoes e bombas) da sua lideranca foram fortemente moldadas por essas experiencias.
    Menciona o episodio da bomba de Brighton - nao o esqueco de todo - porque precisamente ilustra um ponto de viragem importante no conflicto a que aludi la acima.
    O assassinato de Mountbatten foi uma manobra de terrorismo-espectaculo e uma afirmacao de forca por parte do IRA. MAS, MAS (!!) - ocorreu em aguas Irlandesas, foi uma operacao local. A bomba de Brighton veio demonstrar ao Governo Britanico que alem da forca eleitoral (1981, mas principalmente a partir de 1982/83 o Sinn Feinn faz ganhos eleitorais consistentes), o IRA tem capacidade operacional de grande envergadura na Gra-Bretanha tambem…
    Quase "limparam o sarampo" a primeira ministra…

    Estes acontecimentos de 82/83 a 84/85 nao podem ser dissociados da "Victoria" do governo britanico na crise de 1981.

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  5. Quanto ao resto do seu comentario concordo. A evolucao do ambiente socio-economico na Irlanda foi essencial para que esvaziar a faccao unionist (e tambem a faccao nacionalista) ate que por fim a Uniao Europeia apresentou uma saida em que ambas as faccoes puderam fazer de conta que haviam ganho. O acordo de sexta feira santa assenta numa ilusao consciente de ambas as partes: a livre circulacao de pessoas e bens na UE permite ao nacionalistas fazerem de conta que ilha esta unificada; os subsidies europeus a agricultura canalizados atraves do Estado Britanico para a provincial, alem das estruturas politicas oficiais permitem ao unionistas fazerem de conta que a provincia e gerida unicamente pelo governo britanico protestante...

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  6. O Boris e um trampolineiro e oportunista mercenario, navega a vista e nao tem qualquer tipo de escrupulos ou principios excepto o principio maior de que quer ter poder.
    Assim se explica ele ser o campeao do Brexit. A UE (leia-se Angela Merckel na Alemanha) por sua vez e profundamente cinica nos seus esforcos para continuar a exercer dominio sobre os "Estados-Membros" - esta perfeitamente disposta a, pelo menos, brincar com a ideia - se a levara ate as ultimas consequencias ainda nao sei - de mergulhar a Irlanda de novo em Guerra Civil para provar a todos que a alternativa para os "Estados-Membros" e: Uniao Europeia ou o abismo.
    Entretanto, mantenha-se atento aos resultados hoje e amanha das eleicoes no parlamento Escoces… O Boris fez uma forte campanha nos ultimos 2 meses para tentar impedir o SNP de alcancar a maioria absoluta.
    O sucesso/insucesso desses esforcos ditara se o Boris tera de lidar com uma pequena crise constitucional este Verao ou se tera uma grande e dilacerante crise constitucional. E possivel… nao e provavel de todo neste momento, apenas possivel (mas por esta altura o ano passado nem plausivel era...), que um segundo referendo na Escocia seja concedido por Westminster, a muito contra-gusto, algures este ano.

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