04 fevereiro 2015

«LOOK BACK IN ANGER»

Por ser também o título de uma reputada peça de teatro britânica (1956), a expressão Look Back in Anger tem, no original, um significado mais amplo do que aquele que resultará da sua simples tradução para a nossa língua: o decorrer da peça é dominado pela sensação de que a vida vai passando pelas personagens, que elas envelhecem sem que as coisas melhorem, que as suas relações tinham possibilidades iniciais que se perderame é tudo isso que gera uma sensação de raiva e ressentimento que paira sobre o palco durante a representação. Com mais de seis meses decorridos após a execução do celebérrimo programa da tróica a que Portugal se submeteu durante três anos (2011-14), suponho que se tornará possível fazer avaliações distanciadas e politicamente desapaixonadas da sua execução: pois bem, na minha opinião foi um fiasco. E explico: os exercícios de selectividade da memória feitos pelas partes interessadas não conseguem iludir que, quando a austeridade foi inicialmente apresentada ao país, ela foi apresentada como uma fase indispensável mas com um objectivo de recuperação a prazo visível: os cenários macroeconómicos originais antecipavam que por esta altura (o ano que terminou), a economia portuguesa estaria a crescer a 2,5% (e não está), a taxa de desemprego se cifraria nos 12% (e é superior), o défice orçamental rondaria os 2,3% (e faz-se uma festa por ele ter chegado aos 3,5%), a proporção da dívida pública, quando comparada com o PIB, estaria a diminuir dos 115,7% do ano anterior (a última vez que se falou no assunto, ia nos 134% e aumentava...). A expressão fiasco não tem aqui o exagero da argumentação política. Se tivesse havido um indicador onde as metas tivessem sido até superadas, acompanhado de um ou outro onde elas tivessem sido atingidas, por contraponto a outros dois ou três indicadores completamente falhados, admitir-se-ia a controvérsia. Mas não: falhou tudo e todos os indicadores foram revistos sucessivamente em baixa, servindo essas revisões para disfarçar mediaticamente os incumprimentos. Até hoje. Donde se torna legítima uma de duas conclusões: ou a equipa dirigida por Pedro Passos Coelho (com realce para Gaspar, Moedas ou Albuquerque) foi incompetente ou, então, o programa imposto pela tróica era completamente inexequível e nós submetemo-nos às suas ordens com a submissão de uma França de Vichy. Embora não seja uma das prioridades da agenda política, creio que os portugueses agradecerão que essa dúvida se esclareça; se ao governo faltou engenho, se lhe faltou coragem. É que a evolução dos ambientes europeus até estar-nos-á a retirar a consolação que se terá estado a percorrer a rota certa, se o que se esteve a fazer não passou de um placebo para as raízes mais fundas dos problemas estruturais da Europa. Eu ainda assisti ao final do desmoronar do mito de que Portugal não era uno do Minho a Timor, e que assim não fazia sentido insistir na preservação de uma estrutura política multirracial e pluricontinental. E estou a assistir ao desmoronar do mito que nos países da Europa do Sul se pode viver com o mesmo nível de bem-estar que nos países da Europa do Norte. Se a lógica se mantiver, assim não faz sentido persistir na elaboração de uma superestrutura política da qual não há perspectiva de se virem a recolher mais benefícios materiais. Como aconteceu com o projecto (e a guerra) colonial, o projecto europeu arrisca a criar uma nova geração to look back in anger...

A fotografia inicial é de Josef Koudelka. David Bowie aproveitou-se da expressão que dá título ao poste para baptizar uma das suas canções em 1979, corroborando-a (acima); os Oasis fizeram o mesmo em 1996, mas desmentindo-a (abaixo) e com muito mais sucesso comercial do que no caso anterior. Oxalá.

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