01 outubro 2014

E MORDE?

Por contraste com a de estúpido do filho, a imagem que a História norte-americana colou desde o início ao seu 41º presidente, George H. W. Bush (1924-....) é a de um patrício na verdadeira acepção original romana do termo, tão distante quanto desinteressado das preocupações da plebe. Foi para a contrariar que em 1992 e tendo em vista a reeleição nesse ano, o presidente se deixou fotografar nestes preparos, apreciando o material em exposição numa convenção de merceeiros (grocers) em Orlando na Florida. É uma fotografia interessante porque se desmente a si própria: a linguagem corporal (inconsciente) de Bush é de um nítido distanciamento desdenhoso em relação aos equipamentos enquanto o sentido do dever o obriga a apontar com um ar interessado para umas teclas quaisquer. Um jornalista do NYTimes inventou para a fotografia uma história/legenda que, não podendo saber se era verdade ou não (ele nem tinha lá estado presente...), se adequava à imagem patrícia: Bush mostrara-se surpreendido pela inovação dos leitores de códigos de barras, algo que já começara a ser adoptado desde o início dos anos 80, época em que George Bush se tornara vice-presidente. Provavelmente no era vero, ma era ben trovato e consentâneo com o que se via na fotografia. Assim como a pergunta implícita que deixava no ar: como é que um presidente, que nem compras de mercearia fazia, podia compreender as dificuldades de um americano médio?
É evidente que, para contrastar, o seu rival Democrático Bill Clinton (1946-....) se deixou fotografar nas filas do McDonalds como se se tratasse de um habitué do fast-food. Se fosse hoje, a correcção política ter-lhe-ia rectificado o local para a iniciativa popular e populista... Mas na altura, os analistas juntaram mais este a um punhado de erros cometidos pela campanha de George H. W. Bush para considerarem que isso o fez perder as eleições para a sua reeleição em Novembro de 1992, um fracasso muito raro na História dos Estados Unidos (nos últimos 50 anos isso só acontecera com Jimmy Carter em 1980). Na verdade, Bush poderá ter perdido muitos, quiçá milhões de votos com poses desajeitadas em fotografias como a inicial ou com a promessa de não aumentar impostos e depois tê-los aumentado, mas a razão primordial para a sua derrota terá estado na decisão de Ross Perot e da direita (ainda mais) conservadora em promover uma candidatura presidencial autónoma. Considerando as peculiaridades do sistema eleitoral norte-americano, os 45 milhões de votos recolhidos por Clinton sobrepuseram-se aos 59 milhões recolhidos pelos seus dois rivais (39 para Bush e 20 para Perot) à sua direita. A aritmética descreve melhor o que se passou mas perde-se o efeito lúdico destas pequenas histórias, como a do leitor do código de barras que entusiasmou Bush. Mas a direita (ainda mais) conservadora aprendeu com o erro: agora, com o Tea Party, em vez de o dividir, quererá é apropriar-se do Partido Republicano por dentro...

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