29 maio 2014

O PAI DA EUROPA

Ser-se Pai da Europa é um epíteto que tem sofrido ultimamente uma desvalorização acelerada na bolsa de valores políticos. Dos tempos de fartura, quando havia razões para haver disputas pelo título (acima), retenho o nome de Robert Schuman (1886-1963), provavelmente aquele a quem o epíteto mais se adapta. Schuman, um luxemburguês que fora alemão até aos 32 anos e que depois adquirira a nacionalidade francesa quando da transferência da soberania da Alsácia-Lorena em 1919, representava, como poucos, a ilusão de como era possível existir algo parecido com a neutralidade na questão dos nacionalismos.
Deputado pelo Mosela desde 1919, Robert Schuman desenvolveu uma interessante carreira política no país de acolhimento. Tornara-se subsecretário de Estado em 1940. Fora encarregado de tentar gerir o enorme problema dos refugiados durante a ofensiva que os alemães haviam desencadeado em Maio e o marechal Philippe Pétain manteve-lhe o cargo e a tarefa quando veio a formar o seu governo em Junho de 1940. E cometeu o erro capital de se contar entre os 569 parlamentares (entre 649 presentes) que em 10 de Julho de 1940 em Vichy votaram a concessão de plenos poderes constituintes a Pétain.
Regressado depois à Lorena, entretanto reanexada pelo III Reich, Schuman tornara-se uma carta fora do baralho: não apenas os alemães haviam conseguido recuperar a Alsácia-Lorena pela força das armas como agora até dispensariam o contributo de figuras como ele, tão conotadas com a democracia da III República francesa. Se Schuman não foi um colaborador, uma colaboração que, no seu caso pessoal, representaria uma nova reversão de nacionalidade (o que seria muito mais do que se pedia a outros políticos franceses), o resto da sua biografia da guerra pode ser comparado a uma longa e discreta hibernação.
A Libertação (1944) foi o período da desforra e Schuman, com a sua decisão fatal de Julho de 1940, não se escapou ao opróbrio de ser condenado por indignidade, perdendo os direitos cívicos. Mas um de Gaulle que, nunca se esquecendo, também se sabia mostrar cinicamente magnânimo, terá feito com que a sentença viesse a ser anulada em Setembro de 1945. E só depois deste faux pas é que Robert Schuman recomeçou a sua carreira política que o levou até à paternidade da Europa. Sobre ela pairou sempre a Némesis da figura de um de Gaulle que, ao invés, preferia ter sempre tido uma certa ideia de França
Conhecer estes pequenos episódios (não muito publicitados…) da História de França e da Europa mostra-nos o quão pode ser irónico ver agora aqueles que se consideram os herdeiros do gaulismo, como será o caso de Nicolas Sarkozy na UMP, a pugnarem pela manutenção de um status quo reformado na União Europeia, enquanto a direita conservadora, conotada com a herança dos que outrora, com o regime de Vichy, se mostraram mais acomodatícios para com o poder alemão, parece ter-se apoderado, no entretanto e com um nítido sucesso, das bandeiras do nacionalismo tão querido a de Gaulle.

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