17 abril 2014

VOTO EM BRANCO

Agora que se aproximam outras, convém recordar que nas últimas eleições europeias (2009), houve 164.900 eleitores (4,63%) que votaram em branco. Fossem esses votos computados como se de uma lista alternativa se tratasse e, neste país de inconseguimentos, teria havido uma ineleição de um eurodeputado. Nunca me pareceu uma anomalia que isso acontecesse: basta pensar nas dezenas de júris de concursos que se recusaram a atribuir um primeiro prémio pela falta de categoria dos concorrentes. O pormenor dessa ineleição virtual porém, apesar de significativo, perdeu-se no barulho da noite eleitoral informativa, apesar de possuirmos provavelmente uma das maiores densidades desses especialistas bizarros que dão pelo nome de politólogos, uma espécie de paineleiros futebolísticos transpostos para a política. Os comentários a essa manifestação surda de desagrado com a oferta política apresentada a essas eleições restringiram-se a um ou dois nerds dos números, e fizeram-no no meio daqueles espectáculos televisivos de luz e de cor (abaixo) em que o importante parece ser sobretudo captar os ambientes.
Este blogue já é suficientemente veterano para poder mostrar no seu arquivo os comentários a uma interrupção brusca da intervenção de Pacheco Pereira na SIC Notícias para se mostrar durante uma meia dúzia de minutos confrangedores uma sala vazia envolta numa semi-penumbra onde hipoteticamente iria falar José Sócrates (o PS saiu derrotado dessas eleições), ou então um reaparecimento memorável de José Luís Arnaut (PSD) à frente das câmaras em que conseguiu encaixar três vezes a mesma frase como resposta a três perguntas diferentes. Lembro ainda, e tenho pena de não ter conseguido guardar, outros momentos épicos dessa noite eleitoral, como aquele em que o cabeça da lista vencedora Paulo Rangel (PSD), a insistências irrecusáveis das sempre insuportavelmente efusivas jotas, teve que ensaiar uns contristados passos de dança à frente das câmaras ao som de uns encorajadores e quem não salta… Olé! Olé!... Não o podendo mostrar, aquilo que posso descrever é que Rangel a dançar, gorduchinho e de braços curtos e encolhidos como o conhecemos, não é propriamente um Fred Astaire…
 Na verdade, a informação que tanto gosta de se lamentar pelos condicionalismos que lhes impõem antes dos actos eleitorais, parece-me responsável pela parcialidade do tratamento dos resultados depois desses actos, nomeadamente quando o assunto envolve os votos em branco, aqueles que não produzem espectáculo. Tome-se um outro exemplo, ainda mais flagrante, o das eleições presidenciais de 2011. Aí, ainda houve mais eleitores a votar em branco: 191.300 (4,26%). Mas esse protesto discreto foi mediaticamente ofuscado pelo da votação no candidato palhaço José Manuel Coelho que até recebeu uma votação ligeiramente inferior: 189.100 votos. Confirme-se abaixo o tratamento marginal concedido aos votos em branco na 1ª página de um jornal do dia seguinte. Durante décadas, não ir votar, inutilizar voluntária ou involuntariamente o voto¹ ou votar em branco teve a mesma consequência prática. Só recentemente pessoas com responsabilidade na formação do regime se pronunciaram por reformas nos métodos eleitorais, casos de Jorge Miranda ou de Freitas do Amaral, contemplando nomeadamente a questão dos votos em branco. Percebe-se o que os assusta. Mas creio que já vêm tarde de mais: o aparelho mediático já está tão focalizado no espectáculo que se tornou num adversário de quem procure promover a dignidade desse método de protesto cívico. Mais do que pelo valor do voto, pela sua repercussão, há que reconhecer que a melhor forma de dar visibilidade ao desagrado com as opções eleitorais disponíveis já não é votar em branco: é votar no candidato que prometa partir a loiça toda
¹ Nas eleições europeias de 2009 houve quase 70.000 votos nulos, mais do que em qualquer das eleições europeias desde 1989, o que indicia que muitas das anulações nos boletins foram deliberadas.

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