27 janeiro 2014

POR UMA HOMOGENEIDADE AUTOCLÍSMICA DO ATLÂNTICO AOS URAIS

 Há que reconhecer que os anglo-saxónicos possuem uma sensibilidade única para implicar com os excessos disparatados da burocracia, fenómeno que, no seu idioma, assume a bizarra forma coloquial literal de fita vermelha (red tape). Qualquer jornal britânico adora publicar histórias a esse respeito; então se elas tiverem origem em Bruxelas, torna-se ouro sobre azul! Aqui há uns três meses, o The Telegraph resolveu gozar à grande com o presidente da Comissão e com um texto que ele publicara naquele jornal, onde se vangloriara dos progressos da Comissão em desburocratizar uma legislação comunitária considerada absurdamente detalhada e inútil. Nem chegou a decorrer uma semana antes do correspondente em Bruxelas escrever um apropriado artigo de resposta, tendo por tema central um cuidado relatório de 122 páginas da autoria de uma respeitável comissão de trabalho que tivera por objectivo a regulamentação das capacidades dos autoclismos nos países da União: cinco litros de água para as sanitas, um litro para os urinóis, devendo os primeiros dispor de uma opção económica (meia carga?) de três litros… A causa – a poupança de água – adivinha-se nobre, assim como também se adivinham as piadas e insinuações – essas aí já menos próprias – a que um tal tema se pode prestar.
Contudo, o tal estudo também contém alguns dados estatísticos interessantes sobre as infra-estruturas à disposição dos europeus para se aliviarem. Fica-se a saber que, se todos os 80 milhões de alemães sentissem simultânea e disciplinadamente aquele mesmo aperto, aconteceria uma catástrofe, porque só há 77 milhões de sanitas e urinóis em todo o país. Em contraste, e apesar de ser um país do Sul, os 47 milhões de espanhóis têm uma capacidade excedentária de mais de 2 milhões daquelas mesmas instalações, provavelmente alocadas para turistas ingleses em férias. Estes últimos devem apreciar o conforto, pois vêm de um país onde, por sua vez, o acto parece ser mais dificultado, consideradas os 45 milhões de instalações disponíveis para um total de 65 milhões de potenciais utilizadores. Mas há que dizer que o país a visitar precavidamente e onde se deve andar mais vezes de pernas unidas será a França, onde os seus 66 milhões de habitantes têm ainda menos 3 milhões de sanitas (e urinóis) à sua disposição do que os britânicos. Para os 59 milhões de italianos os 46,5 milhões de instalações existentes não devem ser problema, considerada a conhecida capacidade italiana para a improvisação. Será toda uma maneira diferente de olhar para o aperto da Europa, literalmente de calças na mão

2 comentários:

  1. Tem piada. Gostaria, se me permite, e sem diminuir em nada aquilo que escreveu, apenas acrescentar alguns pontos que o seu texto me lembrou e que penso serem relevantes para se perceber como este episodio, alem de ridiculo, e um sintoma directo da grave crise na UE.

    Acho pertinente realcar que essa sensibilidade anglo-saxonica anti-burocracia e muitas vezes, demasiadas vezes, um simples reflexo pavloviano a toda e qualquer coisa que "cheire" a intervencao Estatal. Resultado do triunfo (geral na Europa e avassalador no mundo anglo-saxonico) da ideologia neoliberal.

    Assim sendo estes ataques a burocracia sao muitas vezes uma forma "sexy" de atacar o aparelho estatal para poder depois desmantela-lo melhor.
    Nao estou com isto a dizer que burocracia nao existe, apenas a dizer que os ataques a esta nao sao assim tao genuinamente em prol do bem-estar geral quanto parecam.

    Por outro lado tambem, na minha experiencia a lidar com legislacao europeia, muita dessa burocracia e muitas vezes resultado da ideologia dominante de criacao de ambientes "business friendly", o tal fomento infantil ao empreendorismo que agora e tao moda. O que acontece na practica e que, por exemplo, ha uma iniciativa legislativa na area de saude publica, ora imediatamente os grupos industriais com interesses no sector se levantam e fazem lobbying na comissao europeia (ja agora, a Bruxelas tem mais grupos de lobbying que Washington - berco do lobbying) para obter excepcoes as regras (ou derrogacoes como lhes gostasm de chamar), ora isto cria burocracia, porque por cada excepcao e necessario introduzir uma serie de controlos para garantir que nao e excedida. E muito menos burocratico proibir fumar dentro de todos os espacos publicos por exemplo do que, como Portugal, introduzir certas excepcoes a regra que necessariamente cria novas regras.
    Ora, os britanicos, em especial os ingleses (o Reino Unido nao e assim tao homogenio como possa parecer) sao nesse aspecto grandes culpados precisamente pela sua ideologia politica que constantemente procura obter excepcoes em sede de Comissao Europeia.

    Resumindo e repetindo-me: como em tantas outras coisas que acontecem actualmente nesta UE, estes episodios risiveis sao reflexo directo das profundas disfuncionalidades, esquizofrenia diria mesmo, que grassa nos corredores do poder.

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  2. Completamente de acordo e percebe-se pela forma como o descreve que tem/teve contacto próximo, senão mesmo directo, com o "processo criativo" da legislação comunitária.

    Vale a pena acrescentar contudo que, sendo um grande admirador do humor britânico, não me considero ingénuo quanto a muitas causas que ele escolhe para alvo.

    E também tenho as minhas experiências de como os britânicos perdem o seu famoso sentido de humor quando o "seu" tipo de humor é empregado tendo-os como alvos. Leia-se o exemplo que se segue:

    Neste caso concreto do estudo dos consumos com os fluxos das descargas fiquei a saber, por exemplo, que os britânicos são o segundo país da União que
    proporcionalmente mais água gasta com as descargas do WC (30%) em relação ao consumo doméstico total (o país mais gastador é o Luxemburgo com 33%, o mais poupado a Finlândia com 14%).

    Uma das formas de tratar aqueles 30% é considerar linearmente que os britânicos usam água a mais nas descargas dos autoclismos; outra forma inversa é considerar que, descontadas as "frequências obrigatórias", os britânicos em geral poupam afinal muita água porque frequentam pouco o WC para aqueles "exercícios facultativos" compostos por banhos ou lavagens.

    Esta última, é uma hipótese de trabalho que não me repugna, considerada a reputação do ambiente do metropolitano de Londres em hora de ponta...

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