12 janeiro 2014

ARIEL SHARON E AS EXIBIÇÕES POLÍTICAS DE PESAR

A nota necrológica sobre Ariel Sharon já há muito devia estar preparada. O que há de inusitado na sua morte é ela ter sido antecedida de oito anos passados em coma, num limbo onde ele já estava politicamente morto, onde apenas faltava o reconhecimento da sua morte física. É curioso como durante esses últimos oito anos ele, que fora uma das figuras mais controversas da política israelita, deixou de ser atacado pelos seus inimigos por ter deixado de ser um agente político activo, mas também não passou a ser evocado nem enaltecido pelos seus amigos e aliados políticos, porque isso são gestos que só se costumam ter quando da efectivação da morte. De entre todas as hipocrisias a que a actividade política obriga, nenhuma parece ser mais escabrosa do que estas que envolvem os rituais associados à morte dos seus protagonistas. A série Yes, Prime Minister caricatura (como só ela o sabe…) um momento desses, onde o primeiro-ministro James Hacker desabafava indignado contra as indiscrições que o seu antecessor pretende incluir num seu livro de Memórias a publicar até que Bernard, o secretário, recebe uma chamada…

(...) Por que escreveu o anterior primeiro-ministro toda esta porcaria? Simplesmente para aumentar as vendas do livro, pelo facto de inventar histórias? Acho que não. Algumas pessoas mentem não porque isso seja do seu interesse, mas sim porque lhes está no sangue.
- É um estupor vil, traidor e malevolente – disse eu a Bernard – e se está à espera de conseguir mais honras e tachos ou comissões reais, o melhor que tem a fazer é tirar daí o sentido. Não terá o menor reconhecimento oficial, enquanto eu cá estiver. Lamentei esta explosão porque, nesse preciso momento, o telefone tocou. Bernard atendeu a chamada.
- Sim?... é mesmo importante, porque… Oh!... Ah!... Oh, morreu quando chegou?... Compreendo.
Solenemente, pousou o telefone.
- Más notícias? – perguntei.
- Sim e não – respondeu cautelosamente. – O seu antecessor, o anterior primeiro-ministro da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte acaba de falecer de um ataque de coração.
- Que tragédia! – disse eu imediatamente. Sei dizer as palavras adequadas a situações dessas.
- Realmente – responderam, em coro, Bernard e Humphrey.
- Um grande homem – disse eu, para que constasse.
- Um grande homem – repetiram eles em uníssono.
- A sua falta será profundamente sentida - afinal de contas, alguém tem de sentir a sua falta.
- Será profundamente sentida – repetiram os que se encontravam do outro lado da mesa.
- E as suas memórias também serão – acrescentei eu.
- Memórias que nunca poderão ser concluídas! – disse Bernard.
- Infelizmente! – suspirou Humphrey.
- Infelizmente! – exclamei eu.
- Segundo parece, senhor primeiro-ministro – informou Bernard – ele manifestou a esperança de ter um funeral oficial, mesmo antes… do fim. Mas, em face do seu desejo de não lhe conceder mais honras
Bernard estava redondamente enganado. Um funeral era uma honra que eu tinha muito prazer em lhe conceder. Disse a Bernard que não tinha percebido nada do que lhe dissera. (...)

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