24 novembro 2013

«CONTRA OS CANHÕES MARCHAR, MARCHAR!»

Estas cabeças de vitelo dependuradas no hoje desaparecido mercado de Les Halles em Paris (a fotografia é de Frank Horvath) recordam-me um dos momentos da minha vida de mais intenso patriotismo. Passo a explicar. Embora todos os franceses se orgulhem da variedade, da riqueza e do exotismo da sua gastronomia, cedo me apercebi, apesar da homogeneidade pretensiosa dos seus discursos, quanto a esmagadora maioria deles se vêm a revelar uns poseurs e sucumbem facilmente a uma prova de rusticidade gastronómica portuguesa que seja constituída, por exemplo, pela degustação de uns pezinhos de porco de coentrada (abaixo), uma dobrada com feijão branco ou uma cara de bacalhau. Mas depois há os outros franceses, mais coriáceos…
O meu anfitrião em Paris, por exemplo, era um falso parisiense, um picardo transplantado da mais pura cepa camponesa que, suspeito que em jeito de desforra, me levou a almoçar a um restaurante especializado num prato francês conhecido por tête de veau – cabeça de vitelo. E foi assim que me aterrou no prato uma meia-cara cozida pálida de um vitelo inexpressivo como os da fotografia inicial. Durante a meia hora seguinte lá fui metodicamente debulhando uma bochecha que estava particularmente saborosa, uma meia-língua que já só estava assim-assim, mas já não tive estomago para me dedicar à meia-narina que assomava do prato mas que, felizmente, parecia incomodar pelo aspecto o meu anfitrião tanto quanto a mim. Foi um momento em que senti, qual diplomata improvisado, a representar a pátria a uma mesa que não a das negociações. E creio não ter deixado mal vista a nossa reputação...

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