19 agosto 2013

SOBRE O PODER LEGAL DA TONSURA

Em Outubro de 680, Vamba, o Rei dos Visigodos na Península Ibérica, adoeceu tão seriamente que se pensou às portas da morte e nomeou como seu sucessor Ervígio. Como penitência dos seus pecados terrestres, fez tenção de se tornar membro do clero regular em preparação para a sua entrada no reino dos Céus, deixando-se tonsurar publicamente, ficando com aquele look radical que associamos à imagem de Santo António. Depois, inesperadamente, Vamba melhorou… Mas o seu sucessor apressou-se a reunir um Concílio da Igreja em Toledo logo em Janeiro de 681 para relembrar uma outra decisão daquela mesma assembleia em 638 que proibia expressamente alguém que se deixara tonsurar de ocupar funções régias. Os bispos reunidos não apenas validaram as pretensões de Ervígio e revogaram todos os votos de vassalagem previamente prestados a Vamba como se pronunciaram sobre a eventualidade do que aconteceria se algum monarca tivesse sido tonsurado inconsciente e depois recuperasse a sua vontade. Mesmo a mais de 1300 anos de distância é possível perceber que se tratava de rebater a argumentação de Vamba mas a conclusão dos bispos foi taxativa em prol da validade e da irrevogabilidade dos sacramentos ministrados. O que este episódio do Século VII teve de inédito é que, contrariamente ao que acontecera nos séculos precedentes, tanto no Império Romano como nos reinos germânicos sucessores, não foi preciso que se travasse nenhuma batalha para alcançar a decisão política para a sucessão do reino. Aquilo que se apresentava como uma decisão meramente jurídica conseguira impor-se e ser aceite pelas partes. Pode reconhecer-se quanto é provável que os aliados de Vamba também considerassem não dispor da força militar suficiente para reverter a decisão tomada, mas também será provável que o cuidadoso formalismo associado à defesa da entronização de Ervígio tivesse convencido os nobres indecisos. No Século XXI o que se tornou raro é a força militar intervir nas transições de regime...

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