06 dezembro 2012

A LOGÍSTICA DA GUERRA

Se a palavra logística é relativamente recente (datará da Segunda Guerra Mundial) a sua existência será quase tão antiga quanto a guerra. Sem a denominar, um pensador militar reverenciado do Século XIX como o Barão de Jomini tê-la-á incluído n’a arte prática de movimentar os exércitos onde se incluía assegurar a sucessiva chegada de comboios de reabastecimentos e estabelecer e organizar as linhas por onde eles passassem em segurança. Ainda a meio da Segunda Guerra Mundial podemos ler o tópico sob outra designação (assuntos administrativos) nos Diários do Marechal Alanbrooke e nas épicas discussões que ele travou com um Winston Churchill que, sempre fervilhante de ideias sobre objectivos estratégicos onde lançar os seus exércitos, não se mostrava muito sensível a problemas como o da alimentação dos gloriosos tommies para não dizer já nada sobre combustíveis e munições. Reconheça-se, só para exemplo, que no Norte da ilha de Sumatraum desses objectivos causador de uma homérica discussão entre os dois – não haveria em 1943/44 nem mercearias, nem muitas bombas de combustível, nem muitas espingardarias, onde os invasores britânicos se fossem socorrendo para aquelas coisinhas mais básicas… E ainda se travariam mais algumas batalhas navais até que a supremacia naval sobre os japoneses - com consequente segurança dos reabastecimentos - fosse coisa adquirida.
Para a velha guarda representada naquela discussão por Churchill isso eram problemas menores que alguém haveria de resolver. Pela velha ordem os Reabastecimentos eram a Quarta (e última…) Repartição dos estados-maiores, onde desde sempre e oficiosamente se despejaram os oficiais menos aptos. De uma certa maneira esse desdém ainda se mantém no campo editorial: apesar de haver literalmente milhares de livros sobre a Segunda Guerra Mundial, este acima sobre o aparelho logístico que teve de ser instalado depois do desembarque na Normandia em 1944 é uma raridade; ainda mais raro (suspeito que mesmo entre os nossos profissionais…) é o livro que afixei inicialmente, de um analista e historiador militar israelita que faz uma narrativa histórica do assunto desde o Século XVII até à Segunda Guerra Mundial. A presença dos norte-americanos neste último conflito, pela seu formato tecnológico de combater (de que a sua presença na Europa no final da Primeira Guerra Mundial já dera um indício), trouxe uma importância acrescida ao tópico e tornou a abordagem superficial da escola em que Churchill fora educado num anacronismo. Local onde eles chegassem – abaixo as praias de Iwo Jima em Fevereiro de 1945 – os combatentes tinham que ser acompanhado de outros tantos camaradas que se encarregariam do seu reabastecimento.
As grandes epopeias da Segunda Guerra Mundial estão pontilhadas de pequenos episódios que podem mostrar o contraste entre as duas concepções organizativas. Assim, quando de uma retirada seguida de um contra-ataque alemão bem-sucedido na Frente Leste, houve um oficial alemão que teve a surpresa de encontrar entre os prisioneiros soviéticos aquela que fora a sua lavadeira até há umas duas ou três semanas e que entretanto, possivelmente para se penitenciar do colaboracionismo com o invasor alemão, fora incorporada e colocada sem demora a trabalhar numa das unidades de serviços do Exército Vermelho. Para contraste, quando em 1943 os franceses quiseram reorganizar e reequipar o seu exército e tiveram que, para isso, copiar a orgânica dos norte-americanos depararam-se perplexos com a existência de serviços de… lavandarias de campanha, uma tarefa que durante os séculos de história militar francesa sempre competira ao próprio soldado. Esta opulência podia-se sintetizar até numa medida: doze toneladas! Doze toneladas de bagagem era o valor médio que um soldado norte-americano levava atrás de si quando partia para combater no estrangeiro, como se pode ler neste orgulhoso anúncio da época patrocinado pela Sperry Corporation.
O que o anúncio não diz é que, considerado o volume da bagagem, mais de metade dos soldados tinham que ser destacados para tarefas de tratamento dela e nunca chegavam a defrontar-se directamente com o inimigo. Estes últimos – os que efectivamente combatiam – seriam um pouco mais de ⅓ (36%) dos efectivos, mas a tendência foi para que essa percentagem, muito inferior à dos outros exércitos, viesse a decrescer nas guerras seguintes. Em Um Milhão de Dólares cada Viet de Jean Lartéguy, este calculou que, durante o envolvimento norte-americano na Guerra do Vietname, essa percentagem já se situava em 21%. Não fui à procura de números para guerras mais recentes (como o Iraque 1 e 2 e Afeganistão), mas lembrei-me dessa proporção e dessa evolução a propósito desta fotografia abaixo. É um revoltado mexicano mas podia ser de qualquer outro sítio qualquer. E reparei que também os revoltados necessitam à sua maneira de uma logística, em que os membros que a servem já podem superar em número os combatentes. Note-se que sem a presença dos quatro fotógrafos, o arremesso da pedra com a funda pelo combatente de cara encoberta (20% dos efectivos…) poderia ser interpretado como uma mera travessura de um marginal. Só a presença dos fotógrafos dá ao combatente – que não precisa de alimentação (vai a casa), nem de munições (espalhadas pelo chão) – aquele ânimo, a moral, a seriedade política que se espera dos serviços de retaguarda

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