01 setembro 2012

WINSTON CHURCHILL E ÉAMON DE VALERA

A História consagrou Winston Churchill como um grande orador. Porém, são mais conhecidos os seus discursos dos tempos sofridos dos que os dos tempos de celebração. Num desses últimos, proferido a 13 de Maio de 1945, portanto menos de uma semana depois da conclusão da Segunda Guerra Mundial na Europa, Churchill reservou um par de parágrafos a um dos poucos países europeus que se conseguira manter neutral¹ ao longo de todo o conflito: a Irlanda.
Devido à acção do Sr. De Valera, tão diferente o temperamento e do instinto de milhares de irlandeses do sul que se alistaram para as frentes de batalha provando o seu tradicional valor, as aproximações aos portos e aeródromos do sul da Irlanda, que tão facilmente poderiam ter sido protegidos, foram bloqueados pela acção da aviação inimiga e dos seus submarinos .
Foi de facto um momento crucial da nossa vida colectiva e, não fosse a lealdade e amizade da Irlanda do Norte, poderíamos ter sido forçados a confrontarmo-nos com o Sr. De Valera em alternativa a perecermos para sempre da face da Terra. No entanto, com uma contenção e um equilíbrio para os quais, estou certo, na História se irão encontrar poucos paralelos , nunca os importunámos , gesto que muitas vezes teria sido tão fácil quanto natural, e permitiu-se o governo De Valera entreter-se com os alemães e mais tarde com os representantes japoneses para seu contentamento íntimo.
Como seria de esperar, seguiu-se-lhe a resposta do visado e seu homólogo irlandês (Taoiseach) Éamon De Valera, num discurso a 16 de Maio de 1945. Além da antipatia britânica, De Valera estava bem longe de possuir o carisma de um líder heróico. A voz que ouvimos no discurso é entorpecente, não tem nada das entoações moduladas que conhecemos a Churchill. Porém se prestarmos atenção ao seu conteúdo ( pelo menos de algumas partes mais importantes que realcei - no vídeo abaixo, a partir dos 0:50), percebe-se que as críticas do britânico receberam uma resposta à altura do irlandês:
Tem de ser dado um desconto às afirmações do Sr. Churchill, por muito indignas que elas sejam, quando são proferidas sob as impressões iniciais da vitória que alcançou. É o género de desculpa que eu não tenho, neste nosso ambiente mais tranquilo. Há, no entanto, algumas coisas que é meu dever dizer, algumas coisas que é essencial dizer. E vou tentar dizê-las tão desapaixonadamente quanto puder.
O Sr. Churchill deixa claro que, em certas circunstâncias, teria violado a nossa neutralidade e que justificaria o seu gesto por causa das necessidades da Grã-Bretanha. Parece-me estranho que o Sr. Churchill não se aperceba que, se se aceitar isso, significaria que as necessidades da Grã-Bretanha se tornariam num código moral e que, quando essas necessidades atingissem uma certa dimensão, os direitos dos outros povos deixavam de contar.
É bem verdade queoutras grandes potências que pelo seu lado acreditam nesse mesmo código e se comportaram de acordo com ele. É precisamente por isso que tivemos esta sucessão de guerras desastrosas: à Primeira Guerra Mundial e à Segunda Guerra Mundial seguir-se-á uma terceira? (…)
Foi realmente uma sorte que as necessidades da Grã-Bretanha não tivessem chegado ao ponto em que o Sr. Churchill teria agido. Todos os créditos vão para ele, que resistiu à tentação que, não duvido, o assaltou por vezes nos seus tempos difíceis e a que, admito francamente, muitos outros líderes teriam facilmente sucumbido. É de facto difícil para os fortes serem justos para com os fracos, mas agir com justiça tem sempre as suas recompensas.
Neste caso, ao resistir à sua tentação, o Sr. Churchill, em vez de adicionar mais um capítulo horrível para o já manchado registro de sangue das relações entre a Inglaterra e o nosso país, deu um impulso à causa da moralidade internacional, um importantíssimo passo, de facto, dos que podem ser tomados no caminho das verdadeiras bases seguras para a paz.
 
Siginificativamente, o episódio é hoje tão realçado pela historiografia irlandesa quanto esquecido pela britânica. Não foi, decididamente, a finest hour de Winston Churchill... O primeiro encontro pessoal entre o maior protagonista vivo do imperialismo britânico e o seu maior encravo (a Irlanda foi o único país da Commonwealth que permaneceu neutral durante a Segunda Guerra Mundial) veio a dar-se em 1953 (acima). Por essa altura, em comparação com outros nacionalismos que haviam começado a desencadear o desmoronamento do Império Britânico, o de De Valera era moderado. Pragmaticamente, os dois homens entenderam-se. 

Não deixo de me interrogar porém, com tanta feudalização ideológica que vejo por aí manifestada a respeito daquele mesmo período em Portugal, quais teriam sido os comentários (sobretudo os de agora) se Churchill tivesse utilizado aquele mesmo discurso da vitória para criticar a neutralidade de Salazar… Note-se que não se pede a esses especialistas em História Contemporânea que abdiquem das suas convicções ideológicas, apenas que profissionalmente expandam os seus horizontes à verdadeira escala global do fenómeno da Segunda Guerra Mundial.

¹ Espanha, Irlanda, Portugal, Suécia e Suíça.

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