06 setembro 2012

O FANTASMA DE ALCIBÍADES

Alcibíades foi um político ateniense do Século V a.C. De origem aristocrática, protegido de Péricles, discípulo de Sócrates, era tido por extremamente ambicioso, gozando, quando novo, de uma ascendência social impar entre os atenienses. Era o árbitro da moda. Tudo aquilo que fazia era considerado interessante. Copiava-se-lhe os maneirismos, as expressões, mesmo um defeito da fala – pronunciava o som jota e como . Conta-se que, certo dia, aborrecido por ter deixado momentaneamente de ser falado, mandou cortar o rabo ao cão – criando uma nova moda em Atenas… Repetidas e adaptadas à exaustão até hoje, este género de encenações promocionais são historicamente muito antigas. Os próprios historiadores, inspirando-se, não se furtam a elas.

Em 1999, um jovem historiador escocês chamado Niall Ferguson adquiriu uma notoriedade entre a História de língua inglesa quando escreveu um controverso livro sobre a Primeira Guerra Mundial intitulado The Pity of War¹ onde criticava algumas das ideias consagradas a respeito do conflito – que classificava como mitos. Foi um livro que li com muito interesse, deu-me pistas para ler outros revisionistas sobre aquele mesmo período. Porém, mais do que a argumentação (sólida), era a própria redacção do livro, desnecessariamente assertiva e desafiadora, que acabava por se voltar contra a sua credibilidade. O livro parecia mais concebido para projectar o estatuto de Ferguson do que para induzir-nos a rever as nossas concepções sobre o que então acontecera.

A verdade é que Niall Ferguson adquiriu a merecida notoriedade e em outras obras posteriores (Empire, uma análise do imperialismo britânico, ou Colossus, sobre o norte-americano que lhe sucedeu) já foi mais persuasivo na fundamentação dos seus argumentos, consagrando-se. Ainda gosto de o ler embora, tendo-se mudado para os Estados Unidos, o seu engajamento ideológico se tenha tornado progressivamente mais fervoroso – apoiou os últimos candidatos presidenciais republicanos McCain e Romney – e o teor daquilo que escreve tornou-se mais convencional e desinteressante. Ainda recentemente, Niall Ferguson envolveu-se numa polémica pública – de carácter político, sem sombra de científico… – com o também híper-mediático economista Paul Krugman
 Se contei toda esta pequena história de um revisionismo posto ao serviço da promoção de uma obra e de uma carreira, foi para a diferenciar daquilo que me parece estar a acontecer a respeito da polémica envolvendo Rui Ramos, as suas concepções da 1ª República e do Estado Novo - que se mantém. Reconhecendo que houve controvérsia no nosso pequeno ciclo académico quando do lançamento inicial da obra em 2009, o seu reaparecimento, transbordando agora para a opinião pública, o corte do rabo do cão, não foi sua responsabilidade. No caso, terá sido até Manuel Loff o principal catapultado para a notoriedade. Mesmo a calhar, como há 25 séculos, continuamos a adorar dar a nossa opinião sobre a beleza estética de um cão sem cauda…
¹ Não tenho notícia da tradução da obra para português.

Sem comentários:

Enviar um comentário