29 janeiro 2012

PARA O QUE IA PREPARADO JOSÉ MANUEL BARROSO…

Lembramo-nos que Furão, o boneco de Durão Barroso no Contra Informação, era conhecido por dizer repetidamente: – Oh diacho, acho que não vim preparado para isto! Recentemente (2010), saiu um livro de memórias, The New Machiavelli, da autoria de Jonathan Powell, que desempenhou o papel de chefe de gabinete de Tony Blair entre 1994 e 2007. Leia-se abaixo, a narrativa do que terá então acontecido em Junho de 2004 que levou o primeiro-ministro português de então, preparado ou não, a fazer as malas e a deixar-nos – com a conivência de Jorge Sampaioaos cuidados dessa figura inolvidável que é Pedro Santana Lopes: O Eixo Franco-Alemão, quando funciona, é o motor que impulsiona a União Europeia e quando os líderes dos dois países se decidem quanto a alguma coisa parece impossível alterar o curso dos acontecimentos. Todavia, Tony (Blair) conseguiu fazê-lo na Cimeira Europeia do Verão de 2004 a respeito da escolha de um novo presidente da Comissão. Chirac e Schroeder tinham passado todo o ano de 2003 a persuadir Tony e o resto da Europa a aceitar Guy Verhofstadt. O próprio Verhofstadt telefonou a Tony a pedir-lhe o seu apoio e foi apanhado de surpresa quando este lhe respondeu que nós não o poderíamos fazer porque já nos comprometêramos a apoiar um outro candidato, o português António Vitorino. Tony falou entretanto com Angela Merkel, que era então a líder da oposição alemã mas que também presidia ao Partido Popular Europeu. Ela anunciou-lhe que estava empenhada em bloquear a candidatura de Verhofstadt. Um dia depois, foi Anders Fogh Rasmussen, o primeiro-ministro dinamarquês, um liberal, que também nos telefonou incentivando-nos a bloquear aquela candidatura. Gradualmente, foi-se construindo uma minoria de bloqueio formada pelos pequenos países, que, coordenados, conseguiam impedir franceses e alemães de levarem a sua avante. Face a essa posição concertada, Schroeder telefonou a Tony para o sondar se ele poderia vir a aceitar Jean-Claude Juncker, o primeiro-ministro do Luxemburgo, em vez de Verhofstadt. Foi pior a emenda que o soneto. Ocorreram-nos visões de uma repetição do que acontecera a John Major que, depois de ter bloqueado uma primeira candidatura a presidente da Comissão de um primeiro-ministro belga, federalista mas capaz¹, acabara por transigir com a de um luxemburguês, Jacques Santer, outro federalista mas muito menos capaz. Quando chegámos a Bruxelas para a Cimeira de Junho de 2004 o ambiente estava pesado. Schroeder adoptou uma postura intimidatória. Ele e Chirac haviam decidido tentar forçar a sua escolha no Conselho apesar da oposição. Ao jantar, José Manuel Barroso e Costas Simitis², os primeiros-ministros de Portugal e da Grécia, aliaram-se a Tony nas críticas à atitude de Chirac e Schroeder. Depois do jantar, reunimo-nos com uma assembleia de dirigentes europeus de centro-direita no gabinete de (Silvio) Berlusconi, reunião essa onde se incluíam os líderes da Estónia, Malta, Espanha, Portugal, Eslováquia, Áustria e Grécia. Parecia uma reunião de conspiradores. Todos concordámos que não se podia concorrer contra alguém sem propor ninguém e começámos à procura à volta da mesa de alguém que pudesse ser esse candidato alternativo. O chanceler (Wolfgang) Schussel da Áustria seria uma possibilidade mas isso seria um anátema para a França depois de ele ter formado uma coligação com o neo-nazi Jörg Haider. Em vez disso optámos por Barroso e ele tornou-se o candidato do bloco anti-franco-germânico. Ainda nos preocupámos que Schroeder e Chirac pudessem bloquear Barroso e insistir num terceiro candidato mas eles, do outro lado, pensaram que nós estávamos, insidiosamente, a trabalhar para poder colocar a hipótese de Chris Patten à mesa das negociações. Eles estavam exaustos e acabaram por desistir. Viu-se que o rei ia nu. Nenhum dos dois homens recuperou o ascendente que tivera na Europa. The New Machiavelli, pp. 247-248 Registe-se como o nacionalismo prevalece sobre a ideologia nas fracturas internas da União: o Eixo franco-alemão é formado por um político de direita (Chirac) e outro de esquerda (Schroeder), o seu candidato é de direita (Verhofstadt) mas a conspiração dos líderes europeus de centro direita que se lhe opõem é apadrinhada por Tony Blair, um político trabalhista (esquerda). A aceitar-se a veracidade desta narrativa distanciada – distanciada em relação aos interesses particulares da política portuguesa, entenda-se – conclui-se que a nomeação de Barroso para a presidência da Comissão terá sido parcialmente circunstancial. Mas registe-se como, na busca de um candidato à volta da mesa, ela se cingiu aos dirigentes políticos daqueles países que Powell qualificou como pequenos: Áustria, Portugal, Bélgica, Luxemburgo. Por exemplo, José Maria Aznar, que então dirigia o governo espanhol e que seria considerada certamente uma candidatura de peso, nem sequer terá sido uma hipótese a equacionar. Possivelmente porque se trataria de um retrocesso a sua promoção para a presidência da Comissão. Tais eram (e tais são) as realidades europeias… ¹ Está a referir-se a Jean-Luc Dehaene. ² Na verdade tratava-se de Kostas Karamanlis, que substituíra Simitis três meses antes.