15 novembro 2010

ALGUMAS FACES DE «OS MERCADOS»

Se por um lado, atendendo à descrição que deles faz a comunicação social, os mercados, por se movimentarem dissimulados e atacarem abarbatadores sem aviso prévio, se assemelham aos sandworms de Dune como abaixo descrevi, por outro, gramaticalmente devem ser classificados como um substantivo colectivo, e assim os mercados pertencem à mesma família de palavras como manadas, rebanhos ou cardumes ou ainda, trocando agora a perspectiva zoológica pela ideológica, os mesmos mercados situar-se-ão nos antípodas de expressões como operários e camponeses, trabalhadores, soldados e marinheiros
Contudo, de quando em vez há aqueles que se destacam do anonimato desses conjuntos como foram os casos do pequeno Nemo (acima) em relação a os cardumes ou, mais a sério, de Alexei Stakhanov (1906-1977) em relação a os trabalhadores. E o mesmo se passa com os mercados… Curiosamente, para se conseguir adquirir notoriedade em os mercados, não é importante ganhar dinheiro obscenamente – isso é o esperado e torna-se trivial. A notoriedade conquista-se perdendo obscenas quantias de dinheiro a ponto de precipitar pequenas crises financeiras. Vejamos cronologicamente alguns casos históricos:
Em primeiro lugar, o britânico Nick Leeson. Este rapaz de aspecto jovial da fotografia acima foi um funcionário do Barings Bank, um dos mais antigos bancos ingleses, fundado em 1762, e fora destacado em 1992 para trabalhar em Singapura. Contudo, em Fevereiro de 1995 e a dois dias de celebrar o seu 28º aniversário, Nick desapareceu (deixando uma nota pedindo desculpa…) pouco antes de se descobrir que criara um buraco avaliado em 1.400 milhões de dólares. Com um prejuízo dessa dimensão quem acabou por não celebrar o seu 233º aniversário foi o Barings Bank que abriu falência a 26 de Fevereiro de 1995… A fotografia de Yasuo Hamanaka, com os seus 45 anos, mostra uma pessoa muito mais séria e responsável do que o estouvado Leeson. Porém, veio-se a descobrir em Junho de 1996 que, durante os onze anos anteriores, Hamanaka havia conseguido manipular a cotação mundial do cobre em benefício da Corporação Sumitomo para quem trabalhava só que o fizera à custa de um prejuízo acumulado que escondera até àquele momento de, pelo menos, 1.800 milhões de dólares. Maltratada, ainda assim a Sumitomo sobreviveu e o episódio motivou até o futuro Nobel Paul Krugman a escrever um artigo a esse respeito. Se Leeson parece jovial e Hamanaka compenetrado, a descrição que melhor se aplica à fotografia do francês Jérôme Kerviel é um casual chique, mas simpático. Ele acabara de fazer 31 anos quando, em Janeiro de 2008, o escândalo rebentou na sociedade que o empregava: a centenária Société Générale. Fruto da década entretanto decorrida depois dos dois casos anteriores e quiçá demonstrativo da pujança da evolução de os mercados, o buraco criado por Kerviel foi equivalente ao quádruplo do cavado por Hamanaka: 7.200 milhões de dólares! Neste caso, a Société Générale também aguentou o embateDe uma forma mais sóbria que afinal os mercados são compostos por centenas de milhares de operadores e não só estes, seria preferível que a comunicação social, em vez de os demonizar ou os endeusar (como costuma fazer) ou os trate como algo autónomo possuído de uma vontade própria, desse de os mercados uma imagem mais sóbria, o somatório de indivíduos de uma banalidade comum, que formam a maioria das suas decisões a partir das mesmas ideias e imagens públicas que a todos nós são fornecidas. Como Estela Barbot (acima), conselheira económica do FMI mas opinadora de trivialidades em televisão

3 comentários:

  1. Desta vez vou-me antecipar a todos os outros leitores do "Herdeiro de Aécio". Este artigo está fantástico.
    Vá lá ainda não chegámos ao mercado dos blogs.

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  2. As suas palavras costumam ser sempre simpáticas e eu agradeço-lhas mas o João Moutinho também me deixa(quase) sempre na situação desagradável de ter de o contrariar: o "artigo" não é "artigo", apenas um "poste", que eu não sou - nem pretendo passar por - jornalista.

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  3. "Poste"; "Barra"; "Candelabro". Seja o que o que o Teixeira considerar.
    Mas já ouvi tanto disparate sobre esse ser fantasmagórico.

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