13 fevereiro 2010

O ESPIÃO CHAMPANHE

Regressando ao pretexto das aventuras de James Bond, uma das raras ocasiões em que a realidade do mundo da espionagem teve algumas semelhanças com o mundo glamoroso inventado por Ian Fleming, terá sido com a história do Espião Champanhe. Wolfgang Lotz nasceu em 1921 na Alemanha, filho de uma mãe de ascendência judia e de um pai gentio. O casal separou-se e, com a chegada dos nazis ao poder em 1933, Wolfgang e a mãe, apesar de serem um judeus muito pouco observantes (adiante se perceberá porquê…) emigraram para a Palestina, instalando-se em Telavive.
Durante a Segunda Guerra Mundial e devido aos seus profundos conhecimentos de alemão, Lotz foi incorporado e colocado no Cairo, que era então o Quartel-General do VIII Exército britânico, onde trabalhou nos Serviços de Informações Militares do Exército, lidando especialmente com os prisioneiros alemães do Afrika Korps. Saiu da Guerra dominando quatro idiomas (o alemão, o hebraico, o inglês e o árabe na sua versão egípcia) e não é de estranhar que os israelitas o tivessem aproveitado nessa mesma especialidade quando se deu a independência de Israel em 1948.
Foi já depois da Guerra do Sinai de 1956 quando Lotz já tinha 35 anos e se tornara num respeitável cidadão israelita, casado e com um filho e com o nome hebraico de Ze'ev Gur-Arie que se lembraram dele como membro central para uma mega-operação de espionagem no Egipto, que era então dirigido pelo vociferante Gamal Abdel Nasser, e que se constituía como uma permanente ameaça para Israel. Para tal, seria precisa a impecável aparência ariana de Lotz, e um extenso período de residência na Alemanha para tornar a adquirir a nacionalidade alemã e construir uma lenda.
A lenda, a história forjada para dar cobertura a Lotz, fazia dele um antigo oficial do Afrika Korps e um antigo membro do partido nazi que depois do fim da Guerra tivera de fugir para a Austrália onde enriquecera com a criação de cavalos e que se decidira agora a mudar para o Cairo onde fundaria um muito selecto clube de equitação, o que seria meio caminho andado para cultivar a elite egípcia, especialmente a sua elite militar. E como Bond, também Lotz era romanticamente muito instável e em 1961, já com 40 anos e de surpresa, apaixonou-se por uma alemã com quem casou, tornando-se bígamo
Mesmo assim, deixaram-no continuar com a operação, desde que ele contasse à noiva – um bom punhado de anos mais nova – que ele espiava para um país da NATO. De certa forma, o facto de agora se trata de um casal de espiões deu uma maior consistência à sua actuação como um casal bon-vivant despendendo dinheiro a rodos – especialmente em garrafas de champanhe, daí a alcunha... – para ganhar o reconhecimento da alta sociedade cairota, especialmente das altas patentes do exército egípcio que lhe poderiam facultar as informações e o acesso aos locais que tanto interessavam a Israel.
Wolfgang Lotz terá sido desmascarado acidental e paradoxalmente em 1965, por ocasião de uma verificação de segurança entre a comunidade de refugiados alemães ex-nazis que, por ódio aos judeus, trabalhavam para o Egipto. Terá tentado convencer os captores, por causa da mãe ser laica e não o ter circuncidado enquanto criança, que era um genuíno alemão ex-nazi, mas que agira chantageado pelos israelitas. Era uma história engraçada, mas os egípcios não tardaram a descobrir a verdade e Lotz foi condenado a prisão perpétua enquanto Waltraud, a sua mulher, foi condenada a 3 anos de prisão.
O casal foi libertado em 1968, por ocasião de uma troca de prisioneiros que haviam sido feitos durante a Guerra dos Seis Dias de 1967. Instalaram-se em Israel até à morte prematura de Waltraud em 1973. Ao contrário de muitas outras, esta história tornou-se um instrumento de propaganda dos sucessos da espionagem israelita, talvez por não ter tido o final tradicional daquelas histórias: a execução do espião quando é descoberto, como foi o caso contemporâneo de Eli Cohen, na Síria. Wolfgang Lotz, que se tornou novamente um judeu da diáspora depois de 1973, veio a falecer em 1993 na pátria que o vira nascer, a Alemanha.

1 comentário:

  1. Nunca tinha ouvido falar do senhor nem da sua história rocambolesca. Já agora, a personagem que inspirou Ian Fleming a criar James Bond (além do próprio escritor) parece ter sido Dusko Popov, um agente duplo croata, que frequentava o Casino Estoril nas alturas em que passava em Lisboa, na 2ª Guerra Mundial. Era conhecido como o "Triciclo", por andar muitas vezes com duas pequenas ao mesmo tempo.

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