13 outubro 2009

O NOSSO "GARGANTA FUNDA" DO MOMENTO

Ontem, antes de me deitar, ainda tive oportunidade de ver na RTP1, creio que no Prós & Contras, uma animadíssima discussão envolvendo um punhado de directores de órgãos de comunicação social (Público, Diário de Notícias, Expresso) ainda a respeito da publicação do conteúdo daquele famoso fax detalhando a potencial ofensiva mediática promovida pela presidência da república contra aquilo que ela considerava ser uma intromissão na sua actividade por parte do governo por intermédio de um dos seus assessores. Creio que se trata de um assunto sobre o qual, quem estava interessado em extrair dali uma conclusão já o fez, mas, mesmo assim, o assunto parece continuar a ser pretexto para empolgadas trocas de galhardetes, como ontem se comprovou.

Porém, tendo eu também já uma opinião formada sobre o assunto, se já não compreendia parte da fundamentação original de quem mim de discordava, compreendo muito menos agora a sua insistência quando procuram continuar a tentar condenar de uma forma directa ou enviesada tanto a fonte como a decisão tomada pelo Diário de Notícias de publicar o conteúdo do e-mail enviado por Luciano Alvarez. Para o caso, creio que há que ponderar os aspectos negativos da divulgação de uma comunicação privada com os positivos do conhecimento público do seu conteúdo. E este último parece-me que tem um interesse público muito mais relevante do que fotogramas do vídeo de uma sessão de sexo tântrico envolvendo o arquitecto Tomás Taveira e uma prostituta de luxo(*)

As referências condenatórias à fonte que forneceu o e-mail ao Diário de Notícias (e, vim a saber ontem, também ao Expresso), fazem-me lembrar aquelas que então se abateram sobre Garganta Funda, a famosa fonte anónima que orientava as investigações dos dois jornalistas do Washington Post que investigavam o Caso Watergate e que, mais de 30 depois, se veio a saber tratar-se de um antigo vice-director do FBI, Mark Felt. Como sempre se suspeitou, as motivações de Felt nada tiveram de nobres e ele, objectivamente, comportou-se como um traidor para a administração de que então fazia parte, mas depois de se esgotarem as paixões políticas da ocasião, não ouvi muitas vozes que o acusassem quando a sua identidade veio a ser revelada há 4 anos atrás.
Contudo, o que o distanciamento temporal fez foi colocar na devida proporção o que os pecados cometidos por Felt valeriam quando em comparação com as consequências das suas denúncias: o conhecimento público de alguns traços de carácter de Richard Nixon, o presidente dos Estados Unidos, um homem que não olhava a meios para atingir os seus fins, que chegou a apagar pessoalmente passagens de gravações de conversas que havia tido e que o comprometiam por desmentirem depoimentos públicos que fizera sob juramento! Espero sinceramente que, no caso português, não se chegue tão baixo, mas o conteúdo do e-mailjamais desmentido! – tornou-se numa evidência de que se usam métodos sórdidos por parte da presidência na sua disputa política contra o governo.

O resto do que se queira acrescentar a esse respeito são trivialidades e irrelevâncias, como algumas que foram proferidas ontem no Prós & Contras. A reter que, se com isto, José Sócrates não conseguiu melhorar a sua reputação pública, já que a história de concluir licenciaturas a um Domingo tem imenso que se lhe diga..., pelo menos a até então reputação impoluta de Cavaco Silva ter-se-á vindo emparelhar com a sua. Quando se escreve, sobre a indigitação de Sócrates, que o Presidente não confia nele, nem enquanto pessoa, nem enquanto governante está-se, mais uma vez, a ter uma visão unilateral e facciosa da questão. Vendo de fora, ficámos a saber que nenhum deles confia no outro, que não há limites até onde poderão ir por causa disso e que nós não podemos confiar nem num, nem noutro…

(*) Alusão à publicação numa revista do final dos anos 80 dos fotogramas de um vídeo privado de Tomás Taveira que deu muito brado pelo sucesso comercial – a edição da revista esgotou-se ainda na manhã do próprio dia em que saiu – e pela condenação generalizada da prática do ponto de vista deontológico. Muito menos brado mediático teve a notícia, alguns anos depois, da condenação ao pagamento de uma pesada indemnização a Tomás Taveira por parte dos responsáveis pela publicação da revista. Segundo se veio a saber, o vídeo fora roubado, mas, por essa altura, a revista já deixara de se publicar.

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