15 maio 2009

SOBRE A IMPORTÂNCIA DOS RÓTULOS DAS GARRAFAS DE WHISKY

Uma das pequenas histórias que melhor me retratará o poder das convicções foi-me contada por um amigo meu, embora o tópico principal não pudesse estar mais longe de uma abordagem ideológica: é uma história sobre whisky, ou melhor, sobre whisky marado, para ser mais preciso. Envolvia uns primos desse meu amigo, pessoas de olhar atento mas de paladar não muito apurado, cuja capacidade de apreciação de um bom whisky se orientava mais pelo rótulo da garrafa do que pelo conteúdo da mesma. Evidentemente que, quando se é económico, esse método tem as suas lacunas, por causa das falsificações…
Mas o clímax da história, que me leva a contá-la aqui, foi a síntese com que aquele meu amigo descreveu a obstinação dos primos quando tinham sido enganados: – Eles até podiam acordar cegos no dia seguinte, mas continuariam a insistir que do whisky é que não tinha sido! Pois se era duma boa marca, o rótulo era bom!… Passe-se o exagero da comentário(*), quem quiser olhar para ela de um ângulo benigno até pode considerar que a atitude daqueles primos poderia ser provocada pelo poder das suas convicções… Mas, para a maioria, tratar-se-á de uma cegueira que, nesse caso, nem é física…
Lembrei-me desta confiança extrema nos rótulos de whisky anteontem, ao ver na RTP–N um programa com três convidados (Carlos Abreu Amorim, Emídio Rangel e Rui Tavares) que se intitula Directo ao Assunto. Por sugestão do último, quase a terminar o programa, passaram um trecho do vídeo acima, que contém uma arrasadora crítica ao maravilhoso sistema de auto-regulação dos mercados financeiros, cujas virtualidades, que eram outrora tão gabadas pelos adeptos do liberalismo em todos os locais onde se podiam manifestar, se têm vindo a revelar um completo fiasco…
Mas ainda houve tempo para que o ideólogo liberal presente, Carlos Abreu Amorim (acima), proclamasse que o liberalismo não era só aquilo, nem eram apenas os escândalos do BPN ou do BPP. E ali lembrei-me como há vinte anos também se ouvia que o comunismo não era só aquilo que se desmoronava, estávamos a presenciar apenas o fracasso de um «modelo». Vindos de dois extremos ideológicos afastados, estes dois tipos de comentários soam a fins de ciclo, mas rodeados da mesma obtusidade dos primos do meu amigo: perante a realidade do sabor do whisky, querem é chamar-nos a atenção para o que está no rótulo!
(*) – O álcool que causa cegueira é o metanol, que só mesmo os piores mixordeiros se atrevem a adicionar nas suas bebidas.

1 comentário:

  1. Entender de beber e de gastar dinheiro, não significa entender de whisky.
    Ao proletário Claymore poderia seguir-se um super neoliberal Royal Salute 50 anos e a premissa anterior mantinha-se.
    No whisky como na política há muita contrafacção e ainda mais oportunismo, o problema dos rótulos é recorrente, nem sempre a “embalagem”faz o conteúdo.

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