25 maio 2009

QUANDO A TRADIÇÃO NÃO FOI O QUE ERA

Por vezes, convém reflectir sobre aquilo que aceitamos como a tradição. A própria tradição vai evoluindo e aquilo que tomamos por práticas multiseculares são, muitas vezes, muito mais recentes do que o que nos parece à primeira vista. Tomemos o exemplo das cerimónias das coroações reais, usemos o exemplo britânico, e concentremo-nos nas duas imagens iniciais deste poste: representam o mesmo acontecimento mas sintetizam as enormes transformações que a monarquia sofreu durante a época vitoriana (1837-1901). A primeira gravura serviu de ilustração a um jornal no próprio ano da coroação da Rainha Vitória (1838) e procura reproduzir qual seria o ambiente da coroação quando o cortejo atravessou a rua de Londres onde a imprensa tradicionalmente possuía as suas sedes (Fleet Street). Mas a segunda gravura foi pintada por altura das cerimónias do jubileu dos 60 anos de reinado de Vitória (1897), e o ar composto da escolta militar procurará representar, não o que aconteceu, mas uma interpretação daquilo que devia ter acontecido…
É apenas um pormenor de rodapé da História mas a cerimónia da coroação de Vitória teve os seus pequenos incidentes: o Arcebispo de Cantuária fartou-se de se enganar nas suas deixas e não havia maneira do anel cerimonial (que fora concebido para um adulto) se segurasse nos dedos de uma adolescente de 19 anos… Também foi comentada com alguma condescendência a atitude de Vitória que, desrespeitando o protocolo, piscou discretamente o olho à sua preceptora, a Baronesa Lehzen, quando se cruzou com ela, em plena cerimónia…
Mas, no cômputo geral, podia-se considerar que a cerimónia correra de forma aceitável. Vitória era demasiado nova para ter estado presente na coroação de seu tio, o Rei Jorge IV, que ocorrera em 1821, e para se lembrar do que acontecera à porta da Abadia de Westminster, quando Carolina de Brunswick, a mulher do próprio Rei que iria ser coroado, apesar de expressamente proibida de comparecer na cerimónia, decidira ir e fora barrada à entrada, onde acabara por armar um escândalo. Mas muitos ainda se lembravam…
As coroações desse período ainda eram cerimónias íntimas reservadas à nobreza e ao clero, onde escândalos como o mencionado acabavam por ser devidamente abafados. Foi só nos finais do Século XIX que as manifestações da realeza se transformaram em espectáculos verdadeiramente populares, cuidadosamente encenados, coreografados, para depois serem pintados, fotografados, filmados e, finalmente, televisionados. Quem conceberia hoje uma Rainha despeitada a armar uma peixeirada às portas da Abadia?

4 comentários:

  1. Foi essa Rainha que disse, no seu inglês bem articulado, que quem não se sente não é filho de boa gente?
    rsrsrs

    :))

    ResponderEliminar
  2. Ja natürlich, Maria von Sonne!

    ResponderEliminar
  3. Vielen Danke. Alles ist klar.
    Bis bald

    :))

    ResponderEliminar
  4. As coroação eram cerimónias muito mais solenes, normalmente em Catedrais, salvo algumas excepções quando a própria legitimidade da coroa estava em jogo (a de D. João IV, por exemplo, teve um carácter mais "público"). Provavelmente, o início da ilustração dessas cerimónias coube a Napoleão e ao célebre quadro de David, onde até aparecia a mãe do imperador (que na ralidade não estava presente), a pedido deste.

    ResponderEliminar