03 janeiro 2009

FORA DOS CABEÇALHOS

Depois do recomeço do conflito israelo-palestiniano (acima), os outros grandes conflitos e situações tensas que estavam em vigor tiveram de se rearranjar no panorama informativo: do Iraque passaram a vir notícias colaterais, no Afeganistão só devem acontecer uma ou duas coisas importantes por semana e da situação de tensão entre a Índia e o Paquistão, que era considerada muito grave, por causa do facto de se tratarem de duas potências nucleares, agora não se sabe quase nada...

Falemos então destes dois últimos assuntos que, ao contrário do Iraque e sobretudo de Gaza, não dão grandes fotografias (acima). Mesmo antes da tomada de posse de Barack Obama, é possível adivinhar qual será a estratégia provável que os Estados Unidos adoptarão em relação ao Afeganistão. Aparentemente eles mostram-se satisfeitos com os efeitos da surge que foi implementada no Iraque pelo General David Petraeus e agora pretenderão repetir o mesmo processo no Afeganistão.

Recorde-se que a surge iraquiana (um aumento transitório dos efectivos militares ali engajados) teve um impacto psicológico duplo: nos Estados Unidos e no próprio Iraque. No primeiro caso, foi uma assumpção de um compromisso numa época em que subia o volume das vozes que consideravam o Iraque um fiasco que terminaria como o vietnamita. No Iraque, porque esse assomo de vontade política aumentou a capacidade negocial dos norte-americanos ao negociarem as condições da sua retirada com os iraquianos.

Mais do que apenas a mensagem mediática, entre os altos escalões do comando norte-americano (e, na continuidade, recorde-se que o Secretário da Defesa de Bush, Robert Gates, irá permanecer na Administração Obama) deve estar-se genuinamente satisfeito com os resultados alcançados, e será da natureza humana tentar repetir agora a mesma manobra, com as obrigatórias adaptações, ao Afeganistão. A previsão difícil não é portanto, se os Estados Unidos o vão fazer, a pergunta difícil é: será que vai funcionar?

Em situação de intervenções no exterior como o Afeganistão e o Iraque, o que se tornou importante para os Estados Unidos foi a habilidade para se retirar deixando para trás um regime que fosse capaz de se defender. Aconteceu na Coreia do Sul, que se tornou um caso de sucesso, mas não aconteceu no Vietname do Sul, que foi o fracasso, o pior nas intervenções norte-americanas além fronteiras. Ora, sete anos depois da sua instauração, o regime afegão de Hamid Karzai parece incapaz de se auto-sustentar.

Mais importante do que os aspectos técnicos, como seja o patamar do incremento de efectivos de que a surge afegã se irá revestir – já há actualmente ali 33.000 soldados norte-americanos, para além de 35.000 de outras nacionalidades – o que importa antecipar é o processo negocial que se irá realizar sob a sua cobertura. Afinal, o número dos efectivos dos corpos expedicionários é irrelevante: recorde-se como nos anos 80 os soviéticos tiveram ali mais de 100.000 efectivos e como acabou…

Como acontecia com as do regime sul-vietnamita, também as tropas do regime da República Democrática do Afeganistão (pró-soviética) não valiam na sua generalidade grande coisa, e o regime desmoronou-se pouco depois dos soviéticos se retirarem (1989). Ora, a consequência das negociações associadas à surge no Iraque, foi que houve cerca de 100.000 milícias sunitas (classe que era a base social de apoio do regime de Saddam Hussein) que foram incorporados ao serviço do governo iraquiano actual…

No Afeganistão, a principal questão a colocar será a de saber com que facções rebeldes (que são um verdadeiro caleidoscópio, e não apenas o bloco de talibans apresentados pela propaganda ocidental) irão os norte-americanos negociar. Explicado com algum detalhe o como da manobra, mantém-se contudo a pertinência da questão colocada há quatro parágrafos atrás: será que ela vai funcionar? Introduzindo agora a questão indo-paquistanesa, a opinião daqueles dois países divide-se antagonicamente.

No Paquistão acredita-se e deseja-se que sim. Com a sua imagem internacional desgastada depois dos Atentados de Bombaim, com o país a atravessar dificuldades financeiras extremas, o recente governo civil do Presidente Zardari (que tomou posse apenas em Setembro de 2008), considera todas as manobras que dêem importância à resolução do problema afegão como um benefício colateral para o Paquistão. Afinal, mais de 75% dos abastecimentos da NATO passam por ali…

Mesmo que a importância do Paquistão para os Estados Unidos pareça ser, neste caso, apenas circunstancial enquanto eles preparam a grande manobra de retirada, a importância da parceria não é de desprezar da parte do Paquistão, numa altura em que cada vez se acumulam mais sinais que o parceiro estrutural e preferencial dos Estados Unidos no subcontinente para o futuro virá a ser a Índia. E esta última, quanto à questão da solução para o Afeganistão também tem as suas opiniões…

Ao contrário do que se pensa no Pentágono, em Nova Deli não se crê que hajam suficientes analogias que permitam duplicar no Afeganistão a solução que foi aplicada pelos Estados Unidos no Iraque. Uma opinião válida, porque embora mais discreto do que o seu vizinho paquistanês, o envolvimento indiano nas questões afegãs é selectivo, mas real – são poucos os que sabem que o Presidente Hamid Karzai se formou em Ciência Política numa Universidade indiana (a de Himachal Pradesh) entre 1979 e 83...

1 comentário:

  1. Mais um excelente texto. Especialmente, a novidade da chamada de atenção para o conhecimento que a Índia tem do que se passa no Afeganistão, onde está particularmente envolvida, há muito tempo. Lembre-se que a Índia apoiava a Aliança do Norte na sua oposição armada ao regime taliban, apoiado pelo Paquistão...
    LS.

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