09 outubro 2008

DE LIMOGES A STELLENBOSCH EM PÁRA-QUEDAS DOURADO

Quando dos finais do Século XIX e princípios do Século XX, com a popularização da imprensa, os Generais constataram, com o desagradado que se poderá imaginar, que, quando em Guerra, as suas decisões passavam a ser escrutinadas pela opinião pública o que, por sua vez, influenciava o poder político de que dependiam. Tornaram-se assim bastante mais difíceis os sangrentos disparates tácticos, mesmo quando serviram de tema para poemas épicos, como foi o caso da Carga da Brigada Ligeira na Crimeia, em 1854.
Nos primórdios da Primeira Guerra Mundial, depois de Agosto de 1914, e apesar de um apertado bloqueio informativo para o exterior, o Comandante-Chefe do Exército francês Joffre (acima) teve que se resignar a prestar explicações ao grande público sobre o resultado das operações e pela forma como conduzia a Guerra: afinal, ao contrário do prometido, eram os alemães que tinham invadido a França e que estavam instalados em território francês, sem solução à vista para os desalojar. E assim apareceram os bodes expiatórios.

Um número elevado de oficiais generais foi então destituído dos seus comandos. Diga-se, entre parêntesis, que no Exército francês (e não só) o mérito não figurava à cabeça entre as condições de escolha para a ascensão ao generalato em tempos de paz. Alguns dos que viriam a ser grandes generais da Guerra que começava (Pétain, Nivelle), eram então Coronéis destinados a passar ao lado da promoção. Nessa primeira fase, em que o afastamento de muitos Generais destituídos se justificava plenamente, até ganhou um nome próprio.
Limoges é uma cidade da França central (acima), então conhecida pela sua porcelana, por votar à esquerda e pela má reputação da sua guarnição militar. Terá sido, muito provavelmente, por causa da última, que a cidade foi a localização escolhida para colocar como adidos os generais caídos em desgraça, num processo tão repetido que acabou por se tornar numa designação própria, derivada do nome da cidade destino: limogeage. No final da Guerra, centenas de oficiais haviam sofrido a humilhação de ali terem sido colocados.

Entre os ingleses, aquele mesmo processo ganhara um outro nome que fora herdado da Guerra precedente em que os britânicos se haviam envolvido, a dos Bóeres (1899-1902). Nesse conflito, fora a cidade de Stellenbosch, a cerca de 50 km da Cidade do Cabo (abaixo) e centro da região vitivinícola sul-africana, que passara a albergar o depósito geral de adidos do corpo expedicionário britânico. Ser-se transferido de um comando de unidade para ali (ou ser-se stellenbosched) tornou-se uma mancha irremovível na carreira.
Claro que nas centenas de oficiais destituídos nos dois exércitos ao longo daqueles 4 anos (1914-18), num cenário onde predominou o impasse táctico, terá havido casos de afastamento cuja justificação será transparente, outros onde ela será muito mais duvidosa, e outros ainda, onde se constata a habilidade de antecipação do superior hierárquico em sancionar o subordinado, defendendo-se assim de eventuais acusações (e sanções) dos seus próprios superiores… Enfim, as deformações inerentes aos defeitos da humanidade…

O que se torna paradoxal é fazer a comparação como, 90 anos depois deste escrutínio severo dos dirigentes militares de topo que acabei de descrever, se mantém ainda um regime de enorme impunidade entre os Gestores de topo das grandes empresas. É que, para além da discussão ideológica que possa estar associada ao seu desempenho (a responsabilidade da empresa perante a sociedade ou perante os accionistas), existe uma outra discussão, deontológica, quanto ao sistema de incentivos e de sanções a que esses Gestores estão submetidos.
É que, se os Generais se arriscavam a ser exonerados e demitidos mesmo sem culpa, aqui os Gestores arriscam-se a ser indemnizados quando demitidos, mesmo com culpa, num processo conhecido por Golden Parachute (pára-quedas dourado). Trata-se de cláusulas contratuais que são aplicáveis em caso de despedimento do Gestor e que correspondem a importantes maquias (veja-se acima). 90 anos depois, é preciso uma grande Crise Financeira para que elas se tornem socialmente tão inaceitáveis quanto outrora uma derrota dos Generais…

3 comentários:

  1. Se, como disse Clemenceau, a guerra é um assunto demasiado sério para ser confiada aos militares (aos politicos ainda menos...), eu atrevo-me a dizer que as empresas são demasiado importantes, para ficar entregues a gestores de pacotilha com rolex e topo de gama.

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