20 setembro 2008

O DESTINO DE OLEG PENKOVSKY E DOS OUTROS

O Caso Rosenberg (1950-53) foi um episódio de espionagem que acabou por se tornar duplamente simbólico, tanto do espírito vivido pelos norte-americanos durante o auge da Guerra-Fria, como também do ambiente de histeria excessiva que só se pode instalar numa sociedade que tenha aquelas características – recorde-se, para comparação, o episódio da Proibição de bebidas alcoólicas (a chamada Lei Seca) que ali tinha vigorado entre 1920 e 1933. O casal, Julius e Ethel Rosenberg (abaixo), foi detido pelo FBI e julgado por fazer parte de uma rede de espionagem de informações atómicas que trabalhava em favor da União Soviética. E ambos foram condenados à morte.
A sentença mostrava-se tão desproporcionada do ponto de vista jurídico (sobretudo quando comparada com outros membros da rede), como a própria execução se afigurava completamente desaconselhada do ponto de vista de política internacional. Mas, perante a passividade do executivo (Administração Eisenhower), os Rosenberg foram mesmo executados em Junho de 1953 e o movimento comunista internacional ganhou ali dois mártires cuja veneração permanece até hoje entre os indefectíveis. Não deixa de ter a sua ironia, quando se consideram as centenas de milhares de executados na União Soviética durante as purgas do estalinismo da década de 1930, relembrados em centenas de casos em livros como The Whisperers.
Apesar de nunca mais repetido, o disparate de criar mártires para a causa adversária estava feito e a partir daí, sempre que, no quadro da Guerra-Fria, os simpatizantes dos Estados Unidos se propuseram pregar lições de moral quanto a liberdades e direitos humanos na União Soviética era garantido, terem de engolir em resposta tanto o McCarthysmo como a execução dos Rosenberg. Mas há uma outra ironia por detrás dessa: a história ignoraada dos espiões que os soviéticos descobriram a espiar para os Estados Unidos no seu país durante aquela mesma época, a esmagadora maioria dos quais nunca se vieram a conhecer, sendo o caso de Oleg Penkovsky (abaixo) uma das raríssimas excepções.
Foram casos em que se conjugou o tradicional secretismo soviético nesses assuntos relacionados com fraquezas da sua segurança interna, com o desinteresse norte-americano em dar relevo a tais episódios, por não poderem serem devidamente aproveitados para a sua propaganda, por serem consideradas formas sórdidas de combate com o inimigo… Ou seja, aquilo onde quem gosta de adoptar a nomenclatura comunista tradicional pode usar aquela expressão clássica: convergência objectiva. E dela resultou, ao lado de uma publicidade talvez excessiva aos espiões soviéticos executados no Ocidente, como contraponto, um desconhecimento quase total sobre os espiões norte-americanos executados no Leste.
É verdade que a causa dos indefectíveis que acreditavam na inocência total dos Rosenberg, causa que era empunhada pelos dois filhos do casal (acima, em 1953), sofreu um severo revés com o fim da União Soviética e com o acesso livre à documentação oficial ali existente que veio comprovar inequivocamente que, pelo menos Julius Rosenberg, era de facto um espião. Ainda recentemente, foi notícia a aceitação pública dessa conclusão por parte de um dos próprios filhos dos Rosenberg. E em Portugal, entre os indefectíveis, há quem mantenha blogues que se mostram ainda atentos ao tema do Caso Rosenberg, mas que – como era previsível… – deixaram passar esta última notícia.
Mas isso serão apenas as consequências das distorções de quem ainda pensa numa lógica de Guerra-Fria quando o conflito acabou vai quase para 20 anos. O que me choca, porque o fim da Guerra-Fria não conseguiu corrigir, foi a enorme distorção sobre a cobertura dada aos espiões de um e outro lado. É da mais elementar justiça ter dado aos filhos do casal Rosenberg o direito de se baterem pela protecção da memória dos pais, mas não pode haver contraste maior com o que podem fazer a família Penkovsky e todas as outras sobre as quais nada sabemos, a não ser que elas nem saberão como terão morrido e onde poderão estar os restos mortais de Oleg Penkovsky e de todos os outros executados…

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