06 setembro 2008

A GRANDE RÚSSIA ETERNA

O historiador britânico Orlando Figes, especialista em história russa, começa o seu livro A Tragédia de um Povo: A Revolução Russa (1891-1924) (acima) com uma detalhada descrição da cerimónia da celebração dos 300 anos no trono da Dinastia Romanov, que teve lugar em 1913, naquela que era então a capital russa, São Petersburgo. Os dignitários presentes para as comemorações tinham vindo de todos os cantos do Império, desde os membros da nobreza da Polónia, da Finlândia e das regiões do Báltico, às dinastias milenares de príncipes da Geórgia e da Arménia no Cáucaso, até aos emires, khans e mullahs das províncias recém-conquistadas da Ásia Central.
As cerimónias começaram por uma Missa solene de acção de graças realizada na Catedral de Kazan, oficiada pelo Patriarca de Antioquia, vindo especialmente da Grécia para a ocasião, coadjuvado pelos três Arcebispos Metropolitanos russos e de cinquenta padres. Em preparação para o descomunal desfile que se iria realizar a seguir, as ruas estavam engalanadas, cobertas das cores imperiais (branco, azul e vermelho), havia grandes retratos de todos os czares da dinastia afixados nas fachadas dos edifícios comerciais, e penduradas em árvores e postes havia águias bicéfalas dos Romanov (acima) com as datas 1613-1913, compostas de lâmpadas eléctricas que se acendiam à noite.
A descrição prossegue, com o Czar abrindo um majestoso desfile, enquanto era saudado pelos soldados que estavam dispostos ao longo do percurso com gritos entusiasmados de Hurra!, mas o que me interessa destacar dali é a grandiosidade dada pelo regime czarista a toda aquela cerimónia, antecipando tudo o que viemos a conhecer das grandes cerimónias do período soviético. Contudo, só o fim do regime em 1991, fez perceber quanto muito daquilo que na época da Guerra-Fria parecia ser de cariz ideológico, revelou-se afinal ser de cariz antropológico ou sociológico, característico de uma sociedade fechada com pretensões imperiais, como continua a ser a sociedade russa.
Mesmo com esta sumária citação que fiz da cerimónia de 1913, consegue perceber-se como houve várias adaptações que o regime soviético teve de efectuar, nomeadamente as óbvias dos símbolos, mudando a bandeira, o hino, e adoptando a foice, o martelo e a estrela de cinco pontas (acima) como ícones substitutos da cruz e da águia bicéfala dos Romanov. Mas muitas das outras características permaneceram. Evidentemente que as grandes celebrações ideológicas deixaram de se fazer em Catedrais, mas a coreografia, a pompa e circunstância envolventes dos Congressos do PCUS (Partido Comunista da União Soviética), passaram a ser as equivalentes cerimónias de consagração do regime.
Nelas, como em 1913, também não se esquecia a demonstração do longo alcance do poder imperial, expressa pela convocação dos dignitários das regiões das suas periferia e das suas indumentárias exóticas. Para mais, sob o regime soviético, o império até tinha crescido, e essa demonstração era feita pela presença dos secretários-gerais dos partidos comunistas do resto do mundo, dispostos numa coreografia para ser devidamente interpretada, conforme fosse a sua distância em relação ao dirigente imperial nas cerimónias principais (acima). Mas, se nas cerimónias de interior, do período czarista para o soviético, houve que fazer muitas adaptações, nas cerimónias de exterior as diferenças foram muito menores.
Antes e depois de 1917 e mesmo depois de 1991, a cerimónia russa/soviética de exterior por excelência continuou sempre a ser a gigantesca parada militar, demonstrativa da força do império, independentemente da efeméride que se celebra. E é esta continuidade que torna hoje típicas, mas quase anacrónicas, cerimónias como aquela da posse do Presidente da República russa Dimitri Medvedev (abaixo), que teve lugar no passado mês de Maio de 2008, que foi rodeada de um protocolo majestoso e ostensivo, que parece muito mais adequadas a uma coroação monárquica do que coerente com aquelas que são consideradas as tradicionais virtudes republicanas da sobriedade e discrição…

1 comentário:

  1. Então se os senhores têm lá os ouros e as armas, não vão deitá-los fora, né? Ainda bem que quase se ficam por exibições nas praças, à imagem dos Papas. Porque se fossem fazer demonstrações para fora de casa como os norte-americanos, não havia céu que aguentasse. Nem Terra. Olha o que eu fui lembrar...

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