01 agosto 2008

A IMPORTÂNCIA DE SE SER DOMINGOS ABRANTES

Há um trocadilho intraduzível no título da famosa peça cómica de Oscar Wilde The Importance of Being Earnest entre o sentido A importância de se ser honesto e A importância de se chamar Ernesto. Também nas organizações da esquerda, mas apenas nas da verdadeira esquerda, há um trocadilho intraduzível para as de direita na expressão A importância de se ser Domingos Abrantes, porque nas organizações de direita não há um equivalente a um Domingos Abrantes que patrulhe zelosamente os desempenhos daqueles que foram eleitos em nome da organização, procurando corrigi-los de desvios.
O Bloco de Esquerda pode ser uma esquerda plural (é Louçã que o diz), mas, mesmo com o alegado caviar, é uma esquerda quand même*. Não se apreciam os desvios, e há sempre quem se disponibilize a zelar por corrigi-los, como parece ser o caso de Luís Fazenda, a faceta hardcore da organização, ao lado da de pastor presbiteriano de Francisco Louçã, da de avô cantigas de Fernando Rosas, ou da de adolescente inquisitiva de Ana Drago… Com Fazenda vê-se que a organização means business*. No grupo, ele faz lembrar o Animal – o baterista, que tocava sempre acorrentado... – da saudosa banda do Dr. Teeth nos Marretas.
A vítima de Luís Fazenda (ou o desviado, para empregar a terminologia ortodoxa), tem sido José Sá Fernandes, o vereador da Câmara de Lisboa. Entenda-se, eu tenho da actuação daquele vereador um entendimento muito peculiar: ele é o maior responsável pela popularização do instrumento jurídico do conservadorismo congénito português que dá pelo nome de providência cautelar. Uma providência cautelar serve para que não se faça nada; por exemplo, ao escolher o Almirante Américo Thomaz para a Presidência da República em 1958, o Professor Salazar interpôs uma enorme providência cautelar com duas pernas…
Mas sempre há que reconhecer que José Sá Fernandes foi eleito como independente na posição de cabeça da lista do Bloco de Esquerda às eleições e, embora não conheça o conteúdo do contrato então firmado entre as duas partes, costuma ser normal nestes casos que lhe assista uma maior liberdade de acção do que aconteceria se o lugar fosse ocupado por um militante. Em suma, a haver mau da fita na história, ele será Luís Fazenda. Dá mesmo para perguntar se José Sá Fernandes não poderá interpor mais outra providência cautelar que impeça Fazenda e a rapaziada da concelhia de o aborrecer com ortodoxias?
* Sendo um poste dedicado à esquerda caviar era natural que lha adicionasse alguns estrangeirismos caviar.

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