10 agosto 2008

DEPOIS DA QUEDA DE ROMA

Há menos de um mês António Vilarigues escreveu na caixa de comentários de um poste deste blogue*, e praticamente quase me ia convencendo, que o Partido Comunista Sul-Africano (SACP) vive uma relação de proximidade estreita, praticamente de beijo na boca, com o partido no poder (ANC) na África do Sul. Faz uns três dias, foi Vítor Dias que escreveu no seu blogue um poste**, onde saúda efusivamente mais um episódio de uma justa luta dos trabalhadores ocorrido naquele mesmo país, tratando-se de uma greve geral que foi patrocinada pela Central Sindical (COSATU) e por aquele mesmo partido comunista, contra o governo daquele mesmo ANC com quem o SACP viveria aquela relação matrimonial descrita pelo seu camarada. Diante desta contradição só me resta concluir que o sector intelectual do PCP parece viver dias de descoordenação: ou o SACP desenvolve uma actividade de reforço do governo ou de liderança da oposição
Conhecendo-se a tradição do que deveria ser a disciplina de um verdadeiro partido leninista é caso para perguntar o que é feito dos controleiros destas duas distintas figuras da blogosfera nacional? Que é feito do centralismo democrático para definir a doutrina oficial do partido a este respeito? Que é feita da tradicional preocupação em não baralhar os camaradas? Que é feito daqueles bons tempos onde beijo na boca não era figurado? Com contradições destas parece que bordejamos o limiar do verdadeiro fraccionismo!! Já não basta que, depois da queda de Roma, os romanos sejam forçados a olhar agora para o Imperador do Oriente (sedeado em Pequim e não em Constantinopla…), em busca de uma nova inspiração, como se assiste a estas inaceitáveis vacilações e contradições, demonstrativas da degenerescência acelerada das virtudes romanas… Parece ser mesmo o fim da Antiguidade
* Factos e só factos:
1. O
ANC ENGLOBA o Partido Comunista da África do Sul;
2. O Presidente do
SACP foi eleito no último congresso do ANC seu secretário-geral;
3. Vários membros da Comissão Política do
SACP pertencem ao Comité Executivo do ANC;
4. O mesmo se aplica a vários militantes do
SACP dirigentes da COSATU (confederação sindical) e igualmente membros do Comité Executivo do ANC;
5. Vários dirigentes do
SACP são ministros e secretários de estado no governo da África do Sul;
6. Por último, mas não menos importante, convém recordar que o sucessor designado de Nelson Mandela, Chris Hani, era o secretário-geral do
Partido Comunista. Por isso mesmo foi assassinado em 1993...

** (...) o significado desta greve geral e destas declarações é tanto maior quanto mais presente estiver que a central sindical COSATU integra, com o ANC e o Partido Comunista da Àfrica do Sul, o bloco político-social que, desde o fim do regime do apartheid, tem apoiado os sucessivos governos sul-africanos liderados pelo ANC.

8 comentários:

  1. Devo-te confessar que só li este post porque achei as imagens muito poderosas...
    De resto não gostei nada que referisses os controleiros, o centralismo "democrático", que me fazem lembrar velhas guerras cuja recordação ainda me faz uma certa impressão. Nada que um bom Prozac não resolva.

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  2. Esqueci-me de dizer: se te apetecer, passa lá pelo meu canto que tens um pequeno vídeo que é uma verdadeira pérola da linguagem do Porto.

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  3. Está visto que o seu esquematismo não lhe permite perceber que um partido possa participar num governo e ao mesmo tempo animar ou apoiar iniciativas de protesto que acha justas contra aspectos da política do governo de que participa.

    E está visto também que o excelentíssimo Ferreira não se inibe de imaginar contradições entre um «post» escrito antes da greve geral e um post escrito a propósito dela.

    Toda a sua arenga sobre onde está não sei o quê podia ter alguma aparente lógica de por exemplo o meu camarada A. Vilarigues tivesse escrito algum post a condenar a greve geral promovida pela COSATU. Mas não creio que o tenha feito.

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  4. Pois é, Donagata, podes não gostar das lembranças de velhas guerras mas, por muito que o mundo tenha mudado, ainda há guerreiros, quais "últimos mohicanos", dispostos a travá-las, como podes apreciar pelo terceiro comentário.

    O teu vídeo é o máximo!

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  5. Há muita coisa por e para fazer num país em que os indivíduos de raça branca representam (+ ou -) 10% da população, mas, por exemplo, constituem a maioria esmagadora da delegação aos jogos olímpicos.
    Daqui pode inferir-se que não se terá “pecado” por excesso, talvez por defeito.

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  6. Há palavras que deviam ser protegidas porque quase que fazem parte do património dos militantes do PCP: o verbo “configurar”, as expressões “correlação de forças”, “anseios das populações”, “justas lutas dos trabalhadores” ou insultos como os de “fraccionismo” ou o de “esquematismo” que Vítor Dias acima emprega. Aliás, o primeiro parágrafo do seu comentário é um delicioso “discurso orwelliano” no esvaziamento do verdadeiro significado das palavras, na linha do celebérrimo slogan de “Animal Farm”: “Todos os animais são iguais, mas há uns que são mais iguais que outros”.

    Assim, segundo o que está lá escrito, as anódinas “iniciativas de protesto” “contra aspectos da política do governo” que o “tal” partido sul-africano (no governo) “anima ou apoia” consistem afinal numa… Greve Geral! Lembremo-nos da importância que a CGTP costuma atribuir entre nós a esse evento ou, ainda mais a sério, o “tratamento” que o governo polaco deu aos membros do “Solidariedade” quando essa central sindical tentou fazer o mesmo na Polónia do “antigamente”. Mas, como as palavras de ordem das ovelhas de Orwell, esta é uma contradição mais engraçada que importante.

    Vejamos então o encadeamento dos acontecimentos, que a análise do Camarada Dias parece ter sido de uma superficialidade excessiva, confundindo comentários com postes e confundindo até o meu nome (O nome é Teixeira… A. Teixeira… – como diria o James Bond) Numa primeira fase, eu afirmei que a contribuição do comunismo enquanto ideologia na moderna África do Sul era despicienda; numa segunda fase, recorrendo a “factos e só factos”, António Vilarigues procurou demonstrar quanto a presença do Partido Comunista Sul-Africano é próxima das áreas de poder; numa terceira fase, e segundo Vítor Dias o mesmo partido que parecia estar “entranhado” na área do poder aparece a “animar e apoiar” uma Greve Geral…

    Pelos vistos, segundo se depreende do que escreve no seu segundo parágrafo, essa contradição aparente apenas se deve ao facto de uma e outra opinião terem sido escritas antes e depois da Greve Geral. Algo terá mudado? É que não li escrito por António Vilarigues nem, de resto, por ninguém, que entretanto se tenham rompido os laços indicados por ele: que o SACP se tenha excluído do ANC, que o seu secretário-geral (e presidente do SACP) se tenha demitido, assim como o fariam os militantes do partido que são ministros no governo contra o qual o partido “anima e apoia” estas iniciativas de protesto.

    Ou seja, parece que estruturalmente tudo continua como dantes: com o SACP “dentro” do ANC apoiando a facção de Jacob Zuma, com o SACP formalmente “dentro”, mas tacticamente “fora” do governo controlado pela facção do ANC de Thabo Mbeki, com o marxismo-leninismo sempre “dentro” da gaveta, e com vós dois “fora” de coordenação quanto à difícil posição oficial a adoptar pelo vosso partido quanto a esse conflito interno dentro do ANC do qual é difícil antecipar qual será a facção a sair vencedora…

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  7. É bem verdade o que escreveu, JRD, embora no caso desportivo o apartheid tenha tido consequências bizarras na distribuição das preferências e práticas dos vários desportos, a que aqui já me referi num poste anterior: como exemplo, o raguebi é predominantemente praticado e apoiado pelos brancos enquanto o futebol é-o pelos negros.

    O padrão sul-africano parece ser simplesmente fora da norma. Note-se como, por exemplo, no atletismo costumam predominar os oriundos das classes mais baixas da sociedade (é o que acontece com os negros norte-americanos) e nas equipas sul-africanas de atletismo ainda há uma predominância de brancos.

    Agora um facto permanece indiscutível: por muito dominado pela maioria negra que esteja o poder político, o poder económico permanece predominantemente branco.

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  8. O insuperável Teixeira (perdão pelo lapso anterior) escreve, escreve, escreve mas por mais que escreva e, goste ou não, é mesmo estruralmente esquemático.E usa uma pala manifestamente.

    Se não, vejamos: a propósito deste assunto embica com o SACP e até embica com o PCP e os seus militantes que teriam de tomar posição sobre os confrontos internos no poder sul-africano.

    Mas esquece-se que, como a greve geral foi promovida pela COSATU, que é certamente dirigida e influenciada maioritariamente por membros do ANC, de colocar a sua fixação no que acha clamorosamente contraditório no próprio ANC.

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