26 junho 2008

A FALSA “PROFUNDIDADE ESTRATÉGICA” JAPONESA

Tradicionalmente o conceito de Profundidade Estratégica esteve associado à geografia física. O país ideal para a exemplificar, porque era a potência que mais a tinha, era a Rússia. Fora na Rússia profunda que o Grande Exército de Napoleão se desagregara em 1812. Era a propósito da Rússia, na sequência desse acontecimento e enquadrando esse mesmo conceito de Profundidade Estratégica que o Barão Jomini, reputado estratega teórico do Século XIX, escrevera que a Rússia é um país onde é muito fácil entrar, mas de onde é muito difícil sair...
No Século XX, o mesmo conceito voltou a ser utilizado distinguindo o que, na Segunda Guerra Mundial, a União Soviética tinha mas a França não tinha: a mesma Profundidade Estratégica que permitia aos primeiros continuar a recuar e resistir, mesmo depois das amplas manobras envolventes da blitzkrieg do inimigo que levavam ao aprisionamento de centenas de milhares de soldados seus (acima). Do outro lado do Mundo, também o Japão se esgotava na China, sem capacidade de obter uma satisfação política para a sua invasão.

Contudo, na Segunda Guerra Mundial o Japão tentou aplicar um outro tipo de profundidade estratégica, esta dependente dos comportamentos e não das condicionantes geográficas, tal qual veio a ser implementada no Pacífico nos anos de 1941-45, num local onde a superioridade naval dos Estados Unidos colocaria os nipónicos em desvantagem. O método consistiu em fazer com que as guarnições japonesas que ocupavam as ilhas do Pacífico disputassem as posições onde se encontrassem estacionadas até ao fim, sem cuidar de qual fosse o seu valor militar.
No primeiro atol onde desembarcaram, Tarawa (acima), em Novembro de 1943, os norte-americanos sofreram um milhar de mortos entre os 15 500 fuzileiros que haviam desembarcado enquanto 97% dos 4 800 homens da guarnição japonesa haviam morrido e os prisioneiros japoneses tinham sido todos feridos. No atol seguinte, Kwajalein, em Fevereiro de 1944 os norte-americanos incorporaram os ensinamentos da experiência anterior, triplicando o volume de fogo que precedeu o desembarque do contingente de 41 500 fuzileiros.

As baixas mortais reduziram-se substancialmente para apenas 272 apesar da guarnição japonesa ter sido devidamente exterminada: 97% dos 8 700 defensores. Foi a vez dos japoneses aprenderem que de pouco valia disputarem os locais de desembarque aos norte-americanos, quando estes estavam protegidos por uma esmagadora superioridade de fogo naval. Em Iwo Jima (abaixo), um ano depois (Fevereiro de 1945), este novo método causou 6 000 mortos ao corpo expedicionário norte-americano de 110 000 homens.
Do outro lado, a arte do extermínio dos defensores (21 000) roçava agora os píncaros da perfeição: 99%. Apesar de tanto sucesso, em Okinawa, entre Março e Junho de 1945, até os norte-americanos já se mostravam preocupados com as taxas de sobrevivência dos seus inimigos, incluindo, pela primeira vez entre o contingente desembarcado, soldados nipo-americanos que os exortavam, através de altifalantes, a sobreviver. Os resultados foram uns espectaculares 7 400 prisioneiros entre os quase 100 000 defensores…

Por esta altura (o Verão de 1945) o Japão estava virtualmente derrotado porque, na realidade, se trata de uma potência sem profundidade estratégica: submetido a um apertadíssimo bloqueio naval por parte dos submarinos norte-americanos e consecutivamente atingido por colossais bombardeamentos convencionais, incapaz de se auto-sustentar quer em alimentos, quer em matérias-primas para a indústria, quer em recursos energéticos, as ilhas japonesas estariam sempre condenadas a definhar progressivamente (abaixo).

No entanto, o comportamento assumido durante a Guerra que acima vim descrevendo, além de ter convencido os japoneses*, convencera o próprio inimigo norte-americano que o Japão se dispunha a resistir até ao fim nem que fosse para se bater por vantagens marginais. Ou seja, aquela profundidade estratégica artificialmente concebida tornara-se, ela própria, um factor estratégico real. E é a contar com ele que do lado americano se crê que, para que o Japão aceite a derrota sem condições, há que proceder à invasão do arquipélago japonês.

O Japão é constituído por ilhas montanhosas, que eram terrenos pouco propícios ao exercício da superioridade material em blindados, artilharia e aviação por parte do Exército dos Estados Unidos. Assim, antecipava-se que depois do desembarque se multiplicariam os combates de infantaria e estimava-se em 500 000 o número de mortos norte-americanos até ao final dos combates. Ora isso era mais do que duplicar o custo em vidas americanas naquela Guerra que até aí havia se ficara pelos 290 000 mortos...
Embora a palavra bluff seja de genuína origem norte-americana, não deixa de ser um paradoxo que seja ela a que melhor definirá a pretensa profundidade estratégica japonesa no final da Guerra. Mas os norte-americanos acreditaram nela, acreditando que os japoneses estariam dispostos a suicidarem-se colectivamente por uma rendição honrosa. Não tendo havido um factor determinante, este foi certamente um factor muito importante para levar Harry Truman à decisão de empregar pela primeira vez a bomba atómica…

* Conforme anunciava a propaganda nipónica, para que o Japão se desse por vencido seria preciso aniquilar os 70 milhões de japoneses. Ora, concluía a mesma propaganda, nem mesmo os norte-americanos teriam meios para exterminar os 70 milhões de japoneses…

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