13 junho 2008

A DERROTA ALEMÃ DA PRIMEIRA GRANDE GUERRA: DO EXCESSO DO AÇO PARA A ESCASSEZ DO VELUDO

A Primeira Guerra Mundial teve uma espécie de intervalo político (mas não militar) durante os anos de 1916-17, que foi semelhante a uma espécie de retomar de fôlego depois de se terem esgotado todas as forças iniciais dos beligerantes, como se se avaliasse até onde poderia ir a sua determinação. A determinação da Rússia, por exemplo, com as duas Revoluções de Fevereiro e de Novembro de 1917, terminou ali. Entre os outros, houve várias sondagens para negociações em que se atingisse uma Paz negociada, como as iniciadas pela Áustria-Hungria, pelo Papa Bento XV e, a mais importante, por Woodrow Wilson (abaixo), que era o Presidente reeleito dos Estados Unidos em 1916.
No seguimento das eleições presidenciais realizadas (como tradicionalmente) nos dias iniciais de Novembro de 1916, que Wilson ganhou com uma margem eleitoral reduzida e com uma promessa que não iria cumprir (a de manter os Estados Unidos fora da Guerra), o presidente reeleito apresentou em 18 de Dezembro de 1916 aos dois blocos beligerantes uma proposta de conversações, recorrendo ao que hoje seria classificado como um soundbite: uma Paz sem Vencedores. Competiria às duas partes em conflito especificar quais seriam as condições de base para as negociações. A mediação ocorria num momento em que a popularidade britânica junto da opinião pública americana estava em baixa.

O comportamento imperial arrogante do Reino Unido não recolhia grandes simpatias do outro lado do Atlântico, sustentado em atitudes como a maneira implacável como eles haviam reprimido a revolta irlandesa da Páscoa de 1916, a maneira como se permitiam violar os direitos da marinha mercante neutral (leia-se norte-americana) mesmo em mar alto, ou a maneira como se permitiam proscrever na Bolsa (mesmo a de Nova Iorque) quaisquer empresas que se soubesse negociarem, directa ou indirectamente, com qualquer das Potências Centrais. Apesar disso, a resposta dos anglo-franceses e russos à iniciativa do presidente norte-americano foi objectiva, sóbria e detalhada.
A Entente Cordiale e a Rússia exigiam que a Alemanha e a Áustria-Hungria procedessem à evacuação da Bélgica, Sérvia e Montenegro e dos territórios que ocupavam na França, Rússia e Roménia. Que fosse concedida autodeterminação aos súbditos italianos, romenos e eslavos daqueles dois Impérios assim como a libertação dos vários povos que estavam submetidos à tutela turca. Era duro, mas era expectável e não constavam ali desejos românticos e mirabolantes como a eternamente cobiçada concessão da cidade de Constantinopla (Istambul) aos russos... A diplomacia americana ficou surpreendida foi com a resposta do outro lado, da responsabilidade dos alemães…

Animada pelo recente colapso da Roménia e pela captura de Bucareste (6 de Dezembro de 1916), a Alemanha anunciou que não faria antecipadamente quaisquer concessões dos territórios entretanto conquistados por si, adicionando ao documento uma proclamação enfatizando a crença numa vitória próxima. Diplomaticamente, o episódio foi um verdadeiro balde de água fria para o Departamento de Estado norte-americano. Havia evidentemente uma facção moderada na Alemanha, disposta a negociar: ainda em Julho de 1917, um deputado do Partido Centrista no Reichstag faria ali aprovar uma moção em prol da Paz baseada na manutenção da integralidade do Império alemão de 1914.
Mas o verdadeiro centro do poder no Império alemão nunca fora o Reichstag e também deixara de ser a chancelaria depois do início da Guerra. O OHL*, para onde esse poder se transferira na prática, com (acima) Paul von Hindenburg (formalmente) e Erich Ludendorff (realmente) à sua frente desde Agosto de 1916, mostrou naquele momento a sua deformação genética de privilegiar o valor dos instrumentos militares em detrimento de quaisquer outros meios de acção política, nomeadamente a via diplomática, e o resultado sintetizou-se naquele enorme disparate estratégico de alienar a boa vontade da facção conciliatória da única potência neutral que restava.

Obviamente que durante aquele conflito verificar-se-ia uma ascensão da importância estratégica relativa dos Estados Unidos. Encerrada a hipótese da Terceira Via mediadora, na Administração aperceberam-se que essa ascensão só viria a produzir efeito com a participação norte-americana directa na Guerra e, nesse caso, nem se colocavam dúvidas sobre o lado que os Estados Unidos iriam escolher. Faltava tratar das antipatias da opinião pública norte-americana e das promessas eleitorais de Woodrow Wilson. Uma enorme publicidade dada a um telegrama diplomático secreto (o telegrama Zimmermann, abaixo), em que se soube que a Alemanha prometia apoiar o México numa guerra contra os Estados Unidos, resolveu a questão.
A Declaração de Guerra dos Estados Unidos à Alemanha data de 6 de Abril de 1917... Foi aprovada por esmagadoras maiorias, tanto no Senado (82 contra 6) como na Câmara dos Representantes (373-50). Mostrando como tinham uma estratégia distinta ao juntarem-se à coligação que reunia a França, o Reino Unido, a Rússia (ainda…), a Itália e os restantes países, os Estados Unidos requereram para si um estatuto específico de potência associada (e não aliada), desobrigando-se dos acordos e promessas sobre modificações de fronteiras que haviam sido anteriormente firmados por aqueles que eram os seus novos parceiros… E começou a mobilizar um exército e uma indústria de milhões

Desde há muito que a Alemanha Imperial era conhecida por glorificar o poder do aço mas o que notoriamente lhe faltou em todo este episódio que acabou por vir a precipitar a sua derrota foi mesmo a falta da subtileza do veludo

* OHL: em alemão, Oberste Heeresleitung, Comando Supremo do Exército.

3 comentários:

  1. Subtileza de veludo terá tido a alemã Angela Merkel ao conseguir transformar uma eventual derrota de Berlim na derrota de Lisboa.

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  2. Caro Professor,

    O texto de hoje, mostra como é possível aliar conhecimento, poder de sintese e qb de objectividade.

    Excelente.
    Um abraço e bom fim de semana.

    PS Dragão : pelo menos, podemos sonhar até Agosto...


    Mesquita Alves

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  3. Perdoar-me-ão a liberdade de ter transferido para aqui uma mensagem recebida na outra caixa do correio.

    Prefiro agradecê-la, assim como ao comentário do JRD, mais em público.

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