18 maio 2008

O “VENTRE MOLE” DA EUROPA – 2

A invasão da Sicília desencadeou uma manobra palaciana que acabou por conduzir à deposição do Duce, Benito Mussolini (25 de Julho de 1943). E o novo governo italiano, que era encabeçado pelo Marechal Badoglio procurou discretamente encetar contactos com os Aliados por forma a que fosse assinado um Armistício com eles. Tratava-se de uma oportunidade preciosa para os Aliados: se essa manobra fosse desencadeada de surpresa e bem coordenada do ponto de vista político e militar as Forças Aliadas poderiam progredir rapidamente em direcção a Norte através de toda a Península italiana, neutralizando os destacamentos militares alemães presentes em Itália. O pior era a desconfiança germânica…

Contudo, em Berlim parecia não haver ilusões quanto às intenções italianas. Adolf Hitler foi estenografado clamando, vingativo: É preciso trazer-me toda a camarilha, com o príncipe herdeiro à frente… O comportamento italiano foi, no que concerne às relações ítalo-alemãs, de uma duplicidade irrepreensível. Mas a triplicidade germânica foi ainda superior. Em antecipação ao anúncio público do Armistício (8 de Setembro de 1943) que fora previsto para coincidir com o desembarque das Forças Aliadas no Golfo de Salerno (abaixo), os alemães desencadearam a sua Operação Alarico, neutralizando e aprisionando os soldados de todas as unidades das Forças Armadas italianas.
Para os Aliados perdera-se totalmente o efeito de surpresa – chegara a equacionar-se a hipótese de, com a conivência dos italianos, uma das suas divisões de pára-quedistas saltasse sobre Roma! – e a progressão dos dois Exércitos Aliados (o V norte-americano, a ocidente e o VIII britânico, a oriente) em direcção ao Norte passou a fazer-se numa frente de combate estreita (200 km), acidentada e quase sem vias de comunicação. Era uma situação onde as condições dificultavam a aplicação da superioridade material dos Aliados e, pelo contrário, facilitavam a tarefa aos defensores que quase podiam impor o ritmo de progressão do adversário: apenas a 1 de Outubro a cidade de Nápoles foi conquistada.

Na Frente italiana entrara-se numa espécie de impasse táctico de posições fixas, muito à semelhança do que acontecera na Frente Ocidental na Primeira Guerra Mundial. Perdera-se assim todo o interesse estratégico. Em finais de Dezembro de 1943, tanto Eisenhower como Montgomery abandonaram os seus comandos e regressaram ao Reino Unido em preparação ao desembarque da Normandia que estava programado para daí a poucos meses. O mesmo acontece às melhores unidades britânicas e norte-americanas (como as divisões de pára-quedistas), que vieram a ser substituídas por divisões de outras nacionalidades – francesas (de origem norte-africana, abaixo), polacas, indianas, neo-zelandesas, etc.
Enquanto a Itália demorara pouco mais de um mês a passar de aliada da Alemanha para sua inimiga (de 7 de Setembro a 13 de Outubro), do outro lado dessa frente que dividia a Itália em duas, depois da libertação de Mussolini do seu cativeiro em 12 de Setembro de 1943, criara-se uma ficção de ressurgimento de um novo Pacto Germano-italiano, através do aparecimento de uma República Social Italiana, herdeira aparente das tradições do fascismo, mas que não passava de um protectorado germânico. Nem países simpatizantes da causa, como era o caso da Espanha franquista, mesmo quando solicitada directamente pela Alemanha, se dispuseram a reconhecer diplomaticamente o novo regime…

Ainda houve uma tentativa de contornar as posições defensivas alemãs lançando mais um desembarque anfíbio em Anzio, nos arredores de Roma, em Janeiro de 1944 mas a Operação Shingle veio a revelar-se um fracasso. O ritmo de progressão das Forças Aliadas passou a ser marcado pelo grau de exaustão das Forças alemãs que lhes faziam frente; quando esse limite era atingido estas últimas recuavam para uma nova linha defensiva ligeiramente mais a Norte, que fora cuidadosamente seleccionada e cujas posições haviam sido preparadas de antemão. Em 4 de Junho de 1944 os Aliados atingiram Roma (abaixo), mas o feito foi completamente obscurecido pelo Desembarque na Normandia dois dias depois.
O desembarque aliado nas costas mediterrânicas da França em 15 de Agosto de 1944 (Operação Dragoon) desguarneceu ainda mais (desta vez em divisões francesas) a Frente italiana. Outras unidades vieram substituí-las incluindo uma divisão brasileira* e a única divisão norte-americana (92ª) composta por afro-americanos** presente na Europa. O conjunto de nacionalidades das unidades combatentes em Itália pelos Aliados é capaz de ter constituído o recorde daquele conflito: houve norte-americanos, britânicos, canadianos, neo-zelandeses, sul-africanos, polacos, franceses, argelinos, marroquinos e brasileiros, além dos italianos que combateram pelos aliados, evidentemente.

Quanto à questão por onde começámos, a da disputa estratégica entre britânicos e norte-americanos sobre o estabelecimento das prioridades sobre quais deveriam ser os objectivos militares da reconquista da Europa durante a Segunda Guerra Mundial, mau grado os dotes de persuasão de Alan Brooke e dos britânicos, provou-se que Marshall e os norte-americanos, não tendo razão na forma***, acabavam por a ter no fundo. Apesar dos precedentes históricos, como o caso das Guerras Napoleónicas onde os britânicos se empenharam também em teatros periféricos como a Península Ibérica, do ponto de vista estratégico a decisão da Segunda Guerra Mundial jamais teria sido decidida na Península Itálica...
* O emblema identificativo da Força Expedicionária Brasileira (FEB) que se vê acima é uma alusão directa a um discurso neutralista de Getúlio Vargas (o Presidente brasileiro), proferido logo no início da Guerra, em que afirmou que era mais fácil uma cobra fumar do que o Brasil entrar na guerra. Depois dos Estados Unidos entrarem em Guerra, o Brasil veio a alinhar as suas posições com eles, e apareceu esta cobra fumadora...
** A segregação oficial nas Forças Armadas norte-americanas só terminou em 1948.
*** Aprendeu-se imenso com as várias operações anfíbias da Sicília e da Itália e esses conhecimentos foram muito úteis na Normandia.

4 comentários:

  1. Mais um post, entre outros, particularmente interessante para entender como funciona uma coligação
    LS

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  2. As solidariedades inter-fascistas sempre se evidenciaram pelo uso da faca e das costas dos outros.
    É da História.

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  3. Muito interessantes estes dois últimos postes e particularmente esclarecedores de alguns aspectos mais obscuros do desenrolar da II guerra mundial.
    Tenho aprendido mais sobre o assunto com os teus postes do que quando tive de fazer uma cadeira dedicada apenas a este período...
    Aguardo os próximos com interesse.

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