09 março 2008

THOMAS BUGEAUD


Se aqui já se escreveu sobre episódios do abandono francês da Argélia, vale a pena escrever sobre outros a respeito da conquista francesa da Argélia. O pretexto para isso é a pessoa de Thomas Robert Bugeaud, Marquês da La Piconnerie, Duque de Isly, Marechal de França (1784-1849), um perfeito exemplar tardio do bonapartismo, regime sob o qual iniciou a sua carreira militar – como cabo em Austerlitz (1805). Afastado pela Restauração dos Bourbons (1815), veio a ser depois recuperado em 1831 pelo regime de Luís Filipe de Orleães, tendo vindo mais tarde a combater na Argélia. Em 1840 foi nomeado seu Governador-geral.

Bugeaud era o verdadeiro oficial político-militar, um descendente da pequena nobreza que aproveitara o longo interregno (1815-31) da sua carreira militar para se vir a especializar em agronomia, tendo criado depois disso uma outra carreira, esta política, tendo sido eleito e sucessivamente reeleito deputado desde 1834. Perante a situação argelina, e havendo uma disputa de legitimidade entre o exército francês e o emir local Abd el-Kader, Bugeaud adoptou um sistema de colunas móveis que impediam que o soberano local pudesse exercer a sua soberania naquelas regiões onde ainda era aceite como a autoridade.

Considerando outros exemplos (Spínola é um caso que me ocorre), tenho as minhas dúvidas que parcela será real, que parcela será fabricada, sobre o carisma gozado por Bugeaud junto das suas tropas. Oficialmente, era tratado carinhosamente por Père Bugeaud (também Caco tanto pode ser carinhoso como depreciativo…) e ficou famoso o episódio em que a sua coluna foi atacada durante a noite e onde comandou a reacção ao ataque devidamente montado mas vestido como estava: de camisa de noite e barrete de dormir… Esse episódio originou depois uma canção alegórica: La Casquette du Père Bugeaud (O barrete do tio Bugeaud).

As técnicas de contra-subversão do século XIX postas em prática pelos exércitos de Bugeaud teriam sido politicamente inaceitáveis pelos padrões dos séculos seguintes. Ao famoso aforismo maoista (posterior a Bugeaud) que o guerrilheiro se movimenta pela população como o peixe pela água a resposta francesa mais frequente foi a de vazar a água… A imposição da autoridade foi acompanhada por uma política de colonização agrícola, com terras distribuídas aos europeus, aproveitando as terras do regime feudal que ali vigorava. A sua experiência como agrónomo também se tornou muito útil para o sucesso dessa política de colonização.

Pelo que deixou escrito, Bugeaud mostra como não confundia as questões de natureza estratégica, com as questões tácticas: Tendo feito a paz, não estou nada convencido que ela seja eterna, nem sequer que tenha uma grande duração. Nem espero que a questão africana se resolva assim. Fiz a paz porque o governo e, em grande parte, a opinião pública o queriam (…) Quanto mais a paz se prolongar, mais a guerra futura será menos difícil (…) (Sobre a Pacificação). Este pequeno trecho dos seus escritos mostra uma outra faceta do seu carácter: um desprezo muito bonapartista (ou gaullista?) pelas instituições democráticas do regime de Orleães.

A política de colonização do solo incentivada por Bugeaud foi um dos factores que levaram à formação de uma apreciável comunidade de origem europeia em terras argelinas. Conhecidos por pieds-noirs, acabou por se tornar um paradoxo que, na sua maioria, eles até nem fossem originalmente de origem francesa, mas sim de outras – espanhóis, italianos, malteses, e mesmo judeus de origem local, descendentes dos que haviam fugido dos Reis Católicos de Espanha. É que passado pouco mais de um século, por ocasião da Guerra de Independência argelina (1954-62), parecia que ninguém batia os seus descendentes em patriotismo…

2 comentários:

  1. Continuo a lê-lo com o interesse de sempre. Uma ou outra excepção não é relevante... ;)
    Boa semana

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  2. Boa Semana, JRD

    É sempre bom ter um leitor atento... e crítico.

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