21 março 2008

KAISERSCHLACHT

Este blogue não é dado a efemérides, é uma mera coincidência, mas engraçada, que se assinalem hoje precisamente 90 anos (21 de Março de 1918) que se desencadeou a primeira das três últimas Grandes Ofensivas alemãs da Primeira Guerra Mundial, que se destinavam a romper o impasse que se havia instalado entre os exércitos instalados nas trincheiras da Frente Ocidental. Erich Ludendorff, o general que era o cérebro por detrás da estratégia e do esforço de guerra dos alemães, reconhecera que, depois da entrada dos Estados Unidos na Guerra (Abril de 1917), mesmo contando com o abandono da Rússia (Novembro de 1917), o tempo passara a favorecer os seus inimigos.
Esta primeira ofensiva, baptizada Operação Michael, está muito bem descrita num livro (The Kaiser´s Battle – acima) de um reputado historiador militar britânico, Martin Middlebrook. A descrição é detalhada e, como acontece com outros livros do mesmo autor (como acontece com o mais conhecido The First Day on the Somme) baseia-se nos depoimentos e procura reproduzir a perspectiva daqueles que participaram na batalha. Sobre ela, em síntese, pode dizer-se que os alemães conseguiram romper as linhas britânicas pelo efeito de surpresa do seu ataque e progrediram cerca de 60 quilómetros até os dois exércitos se encontrarem num novo impasse de novas trincheiras, criando uma bolsa.

O V Exército Britânico, comandado pelo General Gough, ficou momentaneamente feito em estilhaços (ele foi demitido) e foi preciso deslocar unidades que estavam em reserva noutras frentes (incluindo francesas). Estima-se que os atacantes alemães sofreram cerca de 250.000 baixas, os britânicos, que sofreram o impacto inicial da ofensiva, 163.000 e os franceses, que os vieram apoiar, umas adicionais 77.000. Contrariamente ao que se costuma escrever, o impasse táctico que se vivia na Frente Ocidental na época, já não tinha a ver com a questão técnica como ultrapassar o sistema das trincheiras inimigo, nem o problema que existia veio a ser resolvido com o emprego dos blindados (como se sugere abaixo).
Os britânicos já haviam empregue os seus blindados durante a Batalha de Cambrai em Novembro de 1917 e, tirando a ruptura do sistema de trincheiras alemão, pouco mais tinham progredido no terreno. Em contrapartida, os alemães nesta Operação Michael também tinham rompido logo de início o sistema de trincheiras britânico e não haviam precisado de nenhum blindado… Na verdade, o que esgotava as ofensivas era a incapacidade logística de as alimentar apropriadamente em homens, material e munições, através dos terrenos recém-conquistados (e normalmente destruídos), de forma a que não se desse ao inimigo oportunidade de se organizar. Não se conseguia manter a dinâmica da ofensiva.

Uma outra conclusão a retirar daquele livro tem a ver connosco, com o desempenho das tropas portuguesas no conflito, durante a ofensiva seguinte, que foi baptizada Operação Georgette, cuja fase inicial foi conhecida como a Batalha de La Lys (9 de Abril de 1918). É que as descrições contidas no livro de Middlebrook sobre o que aconteceu às unidades britânicas que ocupavam na Frente em 21 de Março (como a 34ª, 36ª, 59ª ou 61ª Divisões britânicas), incluindo o desaparecimento quase total dos efectivos dos batalhões mais avançados* e as recriminações recíprocas entre os Estados-Maiores pela impotência da reacção, são precisamente iguais ao que veio a acontecer posteriormente à 2ª Divisão portuguesa...
Por detrás da severidade de muitas apreciações que se lêem sobre o comportamento das tropas portuguesas (cuja preparação era, indiscutivelmente, inferior à das tropas britânicas) quando do ataque alemão de 9 de Abril, parece haver uma muito maior sensibilidade às acusações políticas que então se trocaram na arena política portuguesa, do que à realidade militar existente na altura. É provável que os alemães tivessem escolhido a 2ª Divisão portuguesa para o alvo principal do seu ataque por ser uma das unidades menos bem preparadas do inimigo; mas também há uma probabilidade superior que, qualquer que tivesse sido a unidade escolhida para o ataque, ela teria sofrido um destino semelhante.

O destino das unidades britânicas atacadas há precisamente 90 anos acaba por corroborar isso. Quanto à Operação Georgette, terminou em 29 de Abril, de uma forma semelhante à da sua antecessora Michael, embora com resultados menos sangrentos: 109.000 baixas entre os atacantes alemães, 76.000 entre os defensores britânicos e 6.000 entre os portugueses e ainda 35.000 francesas, novamente chamados para colmatar as brechas na Frente aliada. Num último esforço, a 27 de Maio os alemães desencadearam ainda a sua derradeira tentativa da Kaiserschlacht (Batalha do Kaiser), numa Operação baptizada de Blücher-Yorck, agora contra um sector da Frente guarnecido por tropas francesas.
O resultado foi, como nos casos anteriores, a criação de uma nova bolsa na configuração da Frente Ocidental (veja-se acima), com mais 130.000 baixas entre os atacantes alemães, 98.000 e 29.000 entre os defensores franceses e britânicos, respectivamente, e o aparecimento na Frente, pela primeira vez em número significativo, das reservas constituídas pelas novas Divisões norte-americanas, recém-chegadas à Europa. Quando esta derradeira Operação foi dada por terminada por Erich Ludendorff, a 15 de Julho de 1918, e embora os beligerantes ainda não o soubessem, o fim da Primeira Guerra Mundial estava finalmente a uns 120 dias de distância…

* Cerca de 20.000 britânicos ter-se-ão rendido nas primeiras horas da Ofensiva.

7 comentários:

  1. As guerras, todas as guerras, deixam-me sempre azucrinado.
    Este post, excelente, como é costume, faz-me recordar as grandes derrotas da história do século XX: Estalinegrado, Dien Bien Fu, Khe Sanh, Cuito Cuanavale.
    Haverá certamente muitas mais, mas não me lembro ou desconheço.
    Refiro "derrotas" porque, supostamente,eram esperadas vitórias.

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  2. As derrotas também foram vitórias de alguém.

    E convém não esquecer que, numa esmagadora maioria das vezes, as batalhas resultam da vontade de duas partes de a travar, porque ambas as pensavam ganhar.

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  3. Foi iso que tentei dizer no múltimo parágrafo.
    Quanto à vontade mútua de travar as batalhas, permita-me que discorde apesar de não ser um entendido.
    bom fim de semana

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  4. O monumento da guerra encontra-se em todas as aldeias brancas e vilas do Alentejo. Mas eu estava em choque, a primeira vez que li " caídos nos campos de flandres " Principalmente, porque estivesse ignorando sobre o facto da contribuição portuguesa à guerra 14-18. Todos estes jovens alentejanos, jovens lavradores davam a sua vida, nunca tiveram abandonado a sua terra e morreram num país que não era deles. Por isso devemos recordar o seu sacrifício para paz. Obrigado filhos de Portugal.
    cumprimentos de Antuérpia

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  5. Na ausência de alguém mais indicado e enquanto autor do blogue, cumpre-me acusar a recepção dos agradecimentos belgas do Alfacinha dirigido aos soldados portugueses que prestaram serviço no seu país durante a Primeira Guerra Mundial e retribuir-lhe os seus cumprimentos de Antuérpia.

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  6. JRD:

    Sobre a tal vontade mútua de travar as batalhas, se eu lhe disser que embora discordemos, penso qua ambos não estaremos na disposição de nos zangarmos por causa disso, poderá vir a concordar comigo que o grau de violência num conflito depende sempre da vontade das duas partes?

    Neste caso o grau de violência é zero e o conflito é apenas de opinião.

    Um Bom Fim de Semana

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  7. Caro A. Teixeira,
    Continuo a não concordar, excepto no facto de que, não vamos, nem por sombras, zangarmo-nos, por esta ou outras discordâncias que, salvo melhor opinião, até são salutares e quebram sintonias, muitas das vezes, pouco claras.
    Boa semana

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