07 fevereiro 2008

E DEPOIS DO ADEUS...

Depois do Adeus, além de ter acontecido o 25 de Abril, as antigas colónias africanas de Portugal tornaram-se independentes. Como havia acontecido anteriormente na maioria dos países da África que haviam alcançado a independência, quase todas as infra-estruturas administrativas e económicas, até aí dirigidas quase exclusivamente por membros da comunidade branca, entraram em colapso.

Agravando o problema, a formação marxista-leninista das organizações nacionalistas que então vieram a ocupar o poder, enquanto as tornava sensíveis à importância dos quadros ideológicos tornava-as completamente obtusas em relação à dos quadros técnicos, cuja fuga estava a conduzir os países cujo poder viriam a herdar à quase completa paralisação. Aprenderam-no experimentalmente.

Depois disso, muitas histórias que foram contadas pelos estrangeiros, quando passadas num país africano depois da independência, incluíram pormenores onde as comodidades modernas (o fornecimento de electricidade ou de água, a recolha do lixo, a assistência sanitária, as redes de transportes) podiam ou não funcionar, dando um sentido mais propositado, quando funcionavam, à expressão comodidade…
Um dos países que mais sofreu com esse processo foi Moçambique, e só honra Samora Machel, o seu primeiro presidente, o conselho que endereçou ao seu homólogo Robert Mugabe em 1980, por ocasião da independência do Zimbabué, para que este não repetisse no seu país o erro que ele e a FRELIMO haviam cometido no seu em 1975, quando quase toda a comunidade branca abandonara o país.

Durante quase 20 anos, o Zimbabué passou por ser o exemplo de uma transição bem sucedida de um regime colonial para a independência, onde o poder politico foi transferido para os representantes da maioria africana negra, sem que essa transferência tivesse perturbado significativamente a estrutura económica do país. A história dos últimos dez anos do Zimbabué desmente essa ilusão.

Como outrora acontecia com os soberanos medievais e com os judeus na Europa, o expediente político de culpar as minorias pelas crises económicos tornou-se demasiado apetecível para Robert Mugabe. As consequências dos acontecimentos que se seguiram podem ser sintetizadas na fotografia abaixo: a de uma nota de 100.000 dólares (!) do Zimbabué, resultado de uma hiper-inflação, que se mantém.
O fracasso da experiência zimbabueana tornou a levantar a questão se a transição de um regime de minoria branca para um de maioria negra estaria destinado a descambar fatalmente (seria apenas uma questão de tempo…) em situações semelhantes às que se verificaram em Angola, Moçambique ou no Zimbabué. Da resposta poder-se-ia antecipar aquilo que virá a acontecer na África do Sul…

Embora a África do Sul não se enquadre no modelo colonial tradicional (a minoria branca é tão africana quanto a maioria negra), tem-se seguido atentamente como se têm processado os necessários reequilíbrios de poder depois da abolição do apartheid. E, por causa disso, há incidentes que noutros países teriam repercussões mais triviais, mas ali são possíveis de todo um outro aproveitamento político.

Um desses incidentes tem sido a manifesta incapacidade demonstrada pela Eskom, a Empresa Nacional de Energia Eléctrica desde 1923, em manter o regular funcionamento do fornecimento de energia eléctrica. A África do Sul, que sempre se considerou um país desenvolvido, sofre agora daqueles mesmos apagões rotineiros que tornam tão típica a estadia de um forasteiro em qualquer cidade africana…

As características de actividade de fornecimento de energia eléctrica é uma das tais em que, quanto à controversia dos ajustamentos naturais das forças do mercado e da sua regulação externa, os resultados são de uma tal forma que, na grande disputa ideológico-económica aqui da blogosfera, a rapaziada dos Ladrões de Bicicletas nem precisa de tirar o fato de treino para dar uma abada aos seus rivais do 31 da Armada

O problema é que, contrariamente aos espectaculares colapsos na distribuição de energia ocorridos no passado naqueles sítios onde se deixa o mercado funcionar, a causa maior para este fiasco na África do Sul, e como o próprio presidente Thabo Mbeki já veio reconhecer, parece ter sido um excesso de regulação, ao restringirem-se os investimentos de substituição para valorizar mais a Eskom na fase da sua privatização… Mas há outras explicações...

Não deixa de ser irónico que seja a mesma Eskom, representando os interesses sul-africanos que, durante décadas a fio, e por interpostos agentes, bloquearam os circuitos de distribuição da electricidade de Cahora Bassa, que se veja agora na contingência de concluir que a capacidade instalada de produção de energia eléctrica disponível em toda a África austral não chega para satisfazer as suas necessidades…
(Um agradecimento especial ao Miguel Lopes pelo envio dos cartoons que serviram de inspiração ao poste)

1 comentário:

  1. Uma nota de 100.000 dolares é uma realidade absolutamente patética.

    "E Depois do Adeus" é uma frase ambígua que, salvo melhor opinião, só foi protagonista da História de Abril, porque dava o título a uma canção em voga nessa data.
    Todavia, neste caso considero-a muito bem aplicada.

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