23 janeiro 2008

O IMPORTANTE E O URGENTE*

Este poste era originalmente apenas um comentário a um outro (que pode ser lido aqui), onde se comparam as infra-estruturas sanitárias da província galega de Orense com a dos dois distritos fronteiros portugueses, Vila Real e Bragança, sensivelmente da mesma dimensão geográfica e populacional. Assim, à primeira vista e mantendo a simplicidade de análise do referido poste, a grande conclusão que dali se pode tirar é que, para manter uma rede com uma malha tão mais apertada da que existe do nosso lado da fronteira, é evidente que a Espanha dispõe de uma riqueza de quadros técnicos na área da saúde que não tem qualquer correspondência com o que acontece em Portugal. Isso parece ser tanto mais verdadeiro quanto sabemos quanto médicos e enfermeiros que sobram em Espanha têm conseguido obter com facilidade colocações e formação complementar em estabelecimentos portugueses.
E a situação torna-se ainda mais absurda quando se sabe que, no passado, houve imensos cidadãos portugueses que, tendo a ambição de adquirirem formação superior em áreas ligadas à medicina, não o terem podido fazer por causa dos elevados critérios de admissão (numerus clausus)**, apesar de haver capacidade instalada nas faculdades para os formar. Alguns que puderam, paradoxalmente, acabaram por ter de o fazer em… Espanha. Este foi um enorme erro técnico e político perpetuado durante duas décadas a fio e que tem muitos mais responsáveis do que o actual ministro Correia de Campos, a começar pelos seus promotores mais activos, onde se contam os sucessivos antecessores do actual bastonário da Ordem dos Médicos, Pedro Nunes, que ultimamente se tornou uma verdadeira revelação como subscritor destacado de um abaixo assinado pela preservação do SNS…
Mas a escassez de médicos e enfermeiros portugueses durante todo uma geração foi o tipo de asneira nacional que, lesando-nos globalmente a todos, não lesou especificamente ninguém, e que teve imensos responsáveis pela sua implementação e manutenção, o que seria capaz de se revelar politicamente embaraçoso se alguma força política se propusesse explorar o assunto a fundo. É o contrário do que acontece com esta reorganização das urgências que foi concebida primordialmente (apesar dos outros objectivos onde acredito que exista a preocupação com a manutenção da qualidade do atendimento) para cortar nas despesas… E, já se sabe da regra da contabilidade que, para cortar em despesas, isso implica que se corte nas receitas de alguém… Apure-se quem está e virá a sofrer com esse corte nas receitas e suspeito que se perceberá facilmente quem tem interesse em dar tanto eco à indignação das populações
Para se perceber quanto se torna fácil organizar, encenar e dar destaque a manifestações daquele tipo, aprecie-se como em Espanha, as populações, que não têm de se queixar com o fecho das urgências, andam também indignadas, mas porque querem Mariluz, a criança que desapareceu em Huelva no meio deste mês… Para indignação, parece-me uma causa mais sã. Pelo menos, não lhe descubro as várias motivações hipócritas por detrás da das urgências

* O título do poste é uma alusão a uma das máximas da gestão de empresas que estabelece que aquilo que é importante numa organização nunca costuma ser urgente, e aquilo que se apresenta como urgente, raramente é importante, e como se costumam – como acontece neste caso – confundir as duas coisas.
** A invocação da restrição do número de alunos admitidos para cursos do ensino superior só pode ser justificada por falta de condições de ensino (improvável, uma vez que houve cursos anteriores com muito mais admissões...) ou pela prevenção da existência de quadros em excesso. A situação actual em que é apreciável o número de médicos e enfermeiros formados no exterior a trabalhar em Portugal demonstra, para além de quaisquer dúvidas, que muita gente se enganou escabrosamente a fazer contas naquela altura...

1 comentário:

  1. """ (apesar dos outros objectivos onde acredito que exista a preocupação com a manutenção da qualidade do atendimento)"""

    Não acredite.

    No dia 12 de Novembro, a minha avó de 88 anos teve um AVC.
    Durante um dia e meio passou pela reestruturada urgência do Reestruturado Hospital Amadora Sintra.

    Durante um dia e meio o reestruturado Hospital Amadora Sintra, esqueceu-se, ocupado que está a reestruturar para fora das instalações os doentes, esqueceu-e, escrevia, de informar os familiares do que se estava a passar.

    No dia 13 de Novembro às 19 horas da noite os familiares, como tinha ficado combinado, foram lá para saber o que é que tinha ocorrido.

    Foi-lhes dito por uma assistente administrativa que a senhora podia ter alta e se traziam roupa para a vestir.

    Os espantados familiares - eu, sei porque sou um deles - não tiveram oportunidade de falar com nenhum médico assistente no local, porque a reestruturação das urgências assim o exige - suponho.

    Apenas se teve direito a 3 receitas de medicamentos, uma cartinha para entregar no centro de Saúde e vão-se lixar e desapareçam daqui para fora.

    Que é lá isso de explicar procedimentos a seguir para tratar de uma idosa de 88 anos de idade que teve um AVC?

    Ou marcar uma consulta de acompanhamento para daí a um mês?

    Isso não interessa a ninguém.

    Manda-se antes para o superlotado e reestruturado centro de saúde da área de residencia.

    E vão-se lixar.

    Portanto Caro A.Teixeira, não acredite.
    Fará um grande favor a si próprio.


    Quanto ao PS e no que a mim pessoalmente me diz respeito esta NÃO PERDOO de maneira alguma.

    Nem nunca mais me esqueço das reestruturações do PS na área da saude.


    E desculpe lá o desabafo, até porque isto não é nada de pessoal contra si ou contra o que escreveu, que visava demonstra (e bem) outra coisa e outros interesses por detrás.

    DISSIDENTE-X

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