03 janeiro 2008

AS FRONTEIRAS ORIENTAIS DO MUNDO GREGO DEPOIS DE ALEXANDRE

Depois da morte de Alexandre Magno, em 323 a.C., o seu Império acabou sendo repartido pelos seus generais principais. Contudo, o seu Império fora tão grande que mesmo os estados que resultaram dessa repartição eram potências respeitáveis: Antígono ficara com as possessões europeias (incluindo a Grécia e a Macedónia), Ptolomeu com o Egipto e as regiões adjacentes e Seleuco ficara com o resto.

Olhando para o mapa acima, estendo-se do Mediterrâneo à Índia, o Império Selêucida (assim baptizado em homenagem ao fundador) parecia ser, de longe, o mais poderoso dos três. Mas era também o mais heterogéneo, o menos coeso, o que geograficamente estava exposto a mais inimigos externos, em suma, era o mais frágil dos três. Passadas poucas décadas depois o Império Selêucida estava a esboroar-se nas pontas
Ora perdia províncias para as potências vizinhas em tratados formais depois de derrotas militares, ora eram aquelas que ganhavam autonomia, por fraqueza do exercício do poder central. Foi o que aconteceu por volta de 250 a.C. nas províncias da Capadócia na Ásia Menor, e da Pártia e da Bactria, na Ásia Central. Mas sabe-se muito pouco sobre estes dois reinos da Ásia Central, e de que condições terão existido para os levar à secessão.

Muito do que se sabe sobre aqueles novos estados resulta da produção numismática, o que, em si, é indício de prosperidade económica. Supõe-se que ela resultasse da localização geográfica (especialmente a da Bactria), situada no meio da famosa Rota da Seda que ligava a China à Europa. É através das moedas que mandaram cunhar que sabemos que o primeiro rei da Pártia se chamava Arsaces e o da Bactria Diodotus.
Os novos reinos consideravam-se, evidentemente, helenísticos*, o idioma usado nas moedas cunhadas era o grego, e as suas primeiras décadas de existência foram difíceis, tentando resistir às investidas protagonizadas pelo poder central – representado por Antíoco III Magno – para recuperar aquelas províncias perdidas. Sabendo que a Bactria corresponde aproximadamente ao Afeganistão moderno, imagine-se a dificuldade de Antíoco…

Concentrando-nos agora propriamente na história da Bactria, o reino que, apesar de ser o mais oriental dos dois, foi aquele que, pelas provas materiais que deixou, parece ter sido deles aquele onde se atingiu maior grau de influência cultural helénica, ele não deixava por isso de ser um reino típico da estepe, de soldados de cavalaria nómadas e de fronteiras imprecisas que, depois de estar à beira da extinção, podia invadir um vizinho poderoso como a Índia escassas décadas depois…
Se, por volta 210 a.C., Eutidemo I tinha sido forçado a prestar vassalagem a Antíoco III Magno, embora este último não o conseguisse levar a travar uma batalha definitiva que estabelecesse definitivamente a sua supremacia, 20 anos depois disso, o seu filho Demétrio I, tinha aproveitado o afundamento do Império Máuria no norte da Índia para aí edificar uma extensão do seu reino nas regiões que hoje constituem o Paquistão…

Como já acontecera com as cidades da Ásia Central, que eram entrepostos comerciais da Rota da Seda, também no Noroeste da Índia as cidades do vale do Indo se adaptaram com sucesso à orgânica de funcionamento da polis grega. Mais do que havia acontecido no tempo de Alexandre (326 a.C.), onde houvera sobretudo uma invasão militar, é nesta primeira metade do Século II a.C. que o helenismo entra na Índia, como uma ideologia…
Com todas as dificuldades documentais já mencionadas acima, supõe-se que o apogeu desse poder helenístico na Índia tenha sido atingido com Menandro I (que reinou de cerca de 160 a.C. a 130 a.C.). Paradoxalmente, esse mesmo poder estava em vias de ser submergido na Bactria original (125 a.C.), por uma nova leva de cavaleiros nómadas vindos de Leste, que entretanto se voltara a autonomizar como reino, agora em relação às regiões mais prósperas do Indo.

Outra curiosidade, esta religiosa, é a de saber que o mesmo Menandro I foi um grande promotor do budismo como religião, repetindo a tentativa que o imperador Açoka** (273 a.C. – 232 a.C.) tentara para criar uma religião de estado que fosse menos estratificada que o sistema de castas do hinduísmo. Falhou. Houve que esperar mais um milénio para que uma outra religião chegasse ao subcontinente e modificasse o seu panorama religioso…
Mas a combinação entre o rigor da escultura helénica e o zelo religioso budista produziu contudo peças únicas, como a representada acima. Os estados helenísticos indianos foram-se fragmentando, lutando tanto entre si, como contra os estados exteriores à sua matriz cultural. Tanto quanto é possível afirmar, o último estado terá desaparecido por volta do ano 10 da nossa era. Curiosamente, situava-se a Oriente, em regiões que hoje fazem parte da Índia…

Vieram a ser substituidos pelos partos, onde já se notava uma forte mescla das influências helenísticas originais com as que haviam ser obtidas em contacto com os persas... Se vale a pena contar estes dois séculos da história daquilo que veio a ser o Paquistão, é que creio que eles também contam para a compreensão do que o país é, na actualidade…

* Pormenor que os historiadores romanos se esqueciam obviamente de mencionar quando se referiam aos partos, que Roma teve por inimigos em diversas ocasiões.
** Açoka é uma das referências simbólicas mais fortes do nacionalismo indiano. O seu símbolo (a Roda de Açoka) aparece no centro da bandeira indiana.

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