01 novembro 2007

AS ACHAS PARA A RECONCILIAÇÃO

Entre várias narrativas dos antecedentes que conduziram ao conflito, mesmo em Histórias da Guerra Civil de Espanha que se mostram globalmente mais simpáticas para com o lado republicano (Hugh Thomas ou Antony Beevor), há uma opinião coincidente em atribuir uma boa parte das culpas ao regime republicano por ter escolhido defrontar-se desnecessariamente com a Igreja Católica espanhola, quando esta poderia não vir a constituir uma ameaça séria para o novo regime. Não justifica a conduta posterior da instituição, mas é uma opinião que aqui deixo porque raramente se vê expressa.
A Espanha em 1930 tinha 20.000 frades, 60.000 freiras e 31.000 padres mas 2 em 3 espanhóis não eram católicos praticantes*. A Igreja como grande proprietária de latifúndios desaparecera com as expropriações das terras eclesiásticas que tiveram lugar em 1837… Nem a Igreja espanhola se apresentava como o bloco ideológico coeso que mais tarde se veio a revelar, e onde as suas divergências podiam até ser lidas nas páginas dos dois diários católicos de Madrid (o ABC, mais conservador e El Debate, mais liberal).

Mas, em Julho de 1936, ao começar a Guerra Civil, a Igreja espanhola sentia-se de tal forma cercada que se transferiu quase em bloco (a excepção mais notória foi o clero basco e algum catalão) para o lado dos nacionalistas. E aí permaneceu. São conhecidas as concepções do Arcebispo de Toledo sobre a guerra que se travava em Espanha: uma luta entre a Espanha e a anti-Espanha, a religião e o ateísmo, a civilização cristã e a barbárie. A Igreja espanhola foi uma das vencedoras de 1 de Abril de 1939. Levar a religião de Cristo para as frentes de combate sempre foi muito desconfortável, porque incoerente, como se comprova pela famosa frase (mal) atribuída a Fernão Mendes Pinto: e com muitos padres-nossos e avés-marias fomos a eles e matámos mais de cem… Ou pelo oficial francês que, no México, descobriu o inimigo misturado no meio da multidão e mesmo assim, deu ordem de fogo às sua tropas porque, mesmo naquelas circunstâncias, sempre haveria Deus que protegeria os seus…

Ora, revendo momentos em que ela ali esteve, e a propósito da recente beatificação dos 498 religiosos espanhóis executados por ocasião da Guerra Civil, eu até posso compreender a intenção do Vaticano, na linha de uma inflexão que o papa Bento XVI queira causar na forma como a Igreja está a ser conduzida, abandonando ecumenismos e discursos para o exterior, e concentrando-se na mensagem aos verdadeiros fieis, qual verdadeiro laager**. Está no seu direito e é capaz de ter razão, que o modelo experimentado desde o Vaticano II*** parece não ter tido grandes resultados…
Agora, quando Bento XVI procurou associar ao acto da beatificação desses 498 religiosos, intenções de misericórdia, reconciliação e convivência pacífica entre espanhóis, parece-me que se excedeu… Há dirigentes temporais, como o britânico Gordon Brown, que são rapidamente desmascarados quando se põem a pregar moral, procurando votar ao ostracismo o ditador Robert Mugabe do Zimbabué mas servindo de anfitrião atento ao rei Abdullah dessa terra da liberdade chamada Arábia Saudita…

Mas esses soberanos temporais sempre podem dizer, em abono dessas faltas de honestidade, que a política tem razões que a moral desconhece… Agora, aqueles que são quase exclusivamente soberanos espirituais têm de se lembrar que, mesmo não sendo seguidos, podem continuar a ser respeitados fora do seu rebanho pelo seu discurso e pela sua conduta, e que esse respeito não sai nada reforçado com demonstrações de incoerência que podem passar por cinismo…

* Dados de Hugh Thomas.
** Círculo de carros de bois, com que os colonos europeus enfrentavam as ameaças. A palavra é de origem africânder.
*** Concílio Vaticano II.

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