07 outubro 2007

DOS APRECIADORES ANTIGOS DE TEATRO CLÁSSICO AOS APRECIADORES MODERNOS DE COMÉDIA SATÍRICA

É um facto reconhecido como apenas as elites romanas se mostravam receptivas aos géneros teatrais importados da Grécia. Hoje apenas se pode especular quanto dessa receptividade das elites seria genuína, mas a verdade é que as massas populares da população romana preferiam apreciar outros entretenimentos (gladiadores ou corridas de carros) ou então farsas, cujo conteúdo não sobreviveu até aos nossos tempos, embora os títulos tivessem: O Burro, A Porca, O Porco Doente ou O Porco Curado.

Não será grande ousadia deduzir qual seria o estilo de humor dessas farsas populares, na linha das alusões grosseiras do teatro de revista à portuguesa, nem especular, por exemplo, como O Porco Curado seria uma sequela causada pelo sucesso de O Porco Doente, na linha dos filmes Porky´s (I, II e III) ou Academia de Polícia (do 1 ao 6). Em contrapartida, as elites romanas apropriaram-se do estilo literário da sátira e tornaram-na uma coisa tão sua que depois se veio também a tornar, por herança, coisa nossa…

Pode-se especular se, na Antiguidade, também haveria membros entre as elites romanas que se dedicassem ao mesmo jogo pretensioso do faz de conta com que uma boa parte dos membros das elites modernas dissimulam os seus gostos genuínos… É muito provável que isso também acontecesse porque, desde a Antiguidade, poucas coisas imateriais terá havido nas sociedades que se conservaram tão segregadas entre as elites e as massas populares quanto os gostos humorísticos. Saber rir dava e dá estatuto social.

Muito tempo depois de Roma, as sociedades modernas tornaram de novo possível que houvesse comediantes que pudessem alcançar popularidade junto da plebe. Manter a popularidade junto das duas classes é que continua a tratar-se de um feito difícil, porque há quem consiga ser popular junto de uma ou de outra, há até quem o seja ao mesmo tempo numa e noutra mas representando personagens diferentes*, o feito de reunir o consenso das duas, como acontecia com Herman José em Portugal, é muito mais raro.

É fácil constatar a descida a pique da popularidade de Herman. É mais controverso atribuir-lhe as causas, se terá sido o seu envolvimento, ainda que muito periférico, no caso da pedofilia, que lhe retirou a popularidade junto das massas populares, ou se foi a sua insistência num figurino de programa televisivo medíocre, supõe-se que por razões financeiras, que lhe levou a popularidade que gozava junto das elites, a verdade é que, nitidamente, ele saiu da agenda, por muito que se tivesse esforçado no novo programa.

Dá pena ver sketchs satíricos seus de enorme qualidade, como aquele onde representa a figura de um Adolf Hitler que vem à televisão explicar-se com a desfaçatez e o à-vontade de um Valentim Loureiro, a serem remetidos para o armazém da indiferença. Há no sketch não só uma crítica social mordaz, como também a pedagogia de mostrar, pelo absurdo, que, com a conivência do interrogador, todas as explicações podem ser aceites, até mesmo as de um Hitler. Sem essa conivência, é que pode ser mais difícil

Ora um sketch destes é claramente superior a muito do material produzido pelos Gato Fedorento, a nova coqueluche nacional do humor… Mas, como já dizia aquele ditado popular que, por ser popular, não quer dizer que tenha sido inventado por alguém pertencente às massas populares: Mais vale cair em graça do que ser engraçado

* Rowan Atkinson com Mr. Bean e Blackadder.

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