05 setembro 2007

OS VERDADEIROS RAIDES DO MAJOR ALVEGA

Outro dia, quando invoquei num outro poste os raides clandestinos do major Alvega, aquele luso-britânico que, a acreditar nos livros de quadradinhos da minha infância, ganhou a Segunda Guerra Mundial praticamente sozinho, lembrei-me quanto esse mito da importância das operações especiais ainda hoje pode perdurar, especialmente quanto ao que terá sido a verdadeira utilidade dessas operações para o desfecho da Guerra.
A ideia para aquelas operações teve, desde o início, um responsável: o próprio Winston Churchill. A inspiração viera de um raide realizado nos finais da Primeira Guerra Mundial (Abril de 1918) sobre um dos portos belgas (o raide de Zeebrugge), onde estavam estacionados os submarinos alemães. A ideia era, mesmo debaixo de fogo, irromper pelos acessos ao porto e afundar navios velhos nos canais de ligação do porto com o alto mar, para o deixar inoperacional.

Correu mal quanto aos objectivos: os navios foram afundados nos locais e posições erradas (abaixo) e em poucos dias o porto voltou a estar operacional. Por outro lado a operação pôde ser aproveitada para a propaganda interna pela Royal Navy, que passara aquela Guerra sem fazer quase nada enquanto era o exército que se batia na Flandres: 8 VCs* foram atribuídas e o raid foi considerado um boost to morale**, mas pelo custo (excessivo) de 1/3 de baixas entre todos os participantes (incluindo mais de 200 mortos).
Ora a situação estratégica do Reino Unido depois do término da Batalha de França de Maio e Junho de 1940 era a de quem não se podia defrontar directamente com os alemães a não ser no ar (a Batalha de Inglaterra) ou no mar (a Batalha do Atlântico) e, só muito remotamente e por inimigo interposto, em Africa contra os italianos. A directiva que estabelecia o Serviço de Operações Especiais (SOE) em Julho de 1940 tinha a retórica inconfundível de Churchill: set Europe ablaze***.

Em Março de 1942, inspirados no episódio na Bélgica da guerra precedente, os britânicos lançaram um raide contra Saint Nazaire que possuía a mais importante doca seca de entre os portos franceses do Atlântico. Desta vez, o estratagema consistia em carregar um velho contratorpedeiro de explosivos e abrir caminho até à doca seca para aí se detonar, destruindo o único local de reparação para os grandes navios da Marinha de Guerra alemã (Kriegsmarine).
Quase tão violenta e sangrenta quanto a sua antecessora (5 VCs* atribuídas, 170 mortos entre os assaltantes, a esmagadora maioria dos restantes foram capturados), esta operação foi muito mais bem sucedida no que diz respeito a resultados: grande parte dos equipamentos visados, a começar pela doca seca, deixaram de estar operacionais durante o resto da guerra. Os mais entusiasmados defensores deste tipo de operações baptizaram-na como The Greatest Raid of All (acima).

Terá sido o mais bem sucedido, mas não foi o maior raide de todos… Esse aconteceu em Agosto de 1942, contra o porto francês de Dieppe, envolvendo cerca de 6.000 efectivos, canadianos na sua maioria. Também foi o maior fiasco de todos: perderam-se cerca de 2/3 dos efectivos envolvidos (com cerca de 1.000 mortos…), além de inúmero material (abaixo). Desse raide nem se pôde dizer que foi um boost to morale**… Apenas se improvisou uma explicação patética posterior em como se tinham dali aproveitado os ensinamentos para o Dia D****…
Com o fiasco de Dieppe, foi o fim dos raides com tal visibilidade e envolvendo tanta gente. Apenas se mantiveram as pequenas operações, envolvendo menos de uma dúzia de efectivos. Na verdade, além de servirem de alimento aos filmes de guerra, durante e depois da mesma (Os Canhões de Navarrone ou Doze Indomáveis Patifes, por exemplo), essas operações foram um epifenómeno que nunca chegaram a afectar, só por si, a distribuição dos recursos militares alemães ou o curso das grandes operações.
Um pormenor final, adequado às histórias do major Alvega, onde os alemães eram maus, chamavam-se regularmente Hans e contribuíam para a narrativa emitindo interjeições guturais (Aaaargh! Uuurgh!) enquanto eram devidamente metralhados e mortos pelas pistolas-metralhadoras Sten Mk II (acima) dos commandos britânicos, que nunca falhavam. É que a verdadeira Sten era conhecida por ser uma arma pouco fiável, pela facilidade com que ela podia encravar nos momentos mais inconvenientes…

* Victoria Cross, normalmente abreviada para VC, a mais alta condecoração militar britânica, o equivalente à Ordem da Torre e Espada portuguesa.
** impulso à moral. É uma expressão frequentemente utilizada na historiografia militar britânica quando todos os restantes aspectos a considerar se revelaram um fiasco…
*** ponham a Europa em chamas.
**** 6 de Junho de 1944, o dia do desembarque dos aliados na Normandia. Quanto à justificação, mil mortos é um custo demasiado desumano para justificar uma espécie de ensaio geral.

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