09 setembro 2007

O FANAGALO

O fanagalo foi um idioma (tecnicamente, trata-se de um crioulo) criado nas minas da África do Sul para que os mineiros se pudessem entender no seu trabalho. As enormes necessidades de mão-de-obra para as minas de ouro e diamantes que ali surgiram nos finais do Século XIX obrigaram as companhias mineiras a terem que ir recrutar longe, mesmo até às colónias vizinhas. Se mesmo dentro das suas fronteiras, a África do Sul já é um país conhecido pela variedade idiomática (tem hoje 11 idiomas nacionais!), imagine-se a disparidade de falantes que poderia haver nos quadros de uma mina, quando há que contar ainda com naturais do Zimbabwe, Lesoto, Botswana, Suazilândia, Moçambique, Malawi ou Zâmbia...
O fanagalo tem um vocabulário não muito extenso, limitado sobretudo aos aspectos técnicos concretos do trabalho no interior nas minas – iniciado nas de ouro, hoje é o idioma de todas as minas, independentemente do que dela se extraia – e inclui, como seria de esperar, uma lista apreciável de palavrões e insultos... A grande maioria da origem do vocabulário é zulu (cerca de 2/3), embora a maioria dos termos técnicos sejam de origem inglesa e haja alguns vocábulos de origem africânder e mesmo portuguesa. Os mineiros novatos recebem uma formação acelerada em fanagalo antes de desceram à mina, onde aprendem, por exemplo, que lo amela (do inglês hammer) é o martelo.
O fanagalo é um exemplo presente e concreto como é possível criar naturalmente um idioma funcional, que ultrapasse rapidamente os problemas de comunicação quando há uma multiplicidade de origens nos intervenientes, desde que o grau de sofisticação das mensagens a transmitir não precise de ser muito elevado. Aliás, este já deve ter sido um problema muito antigo, surgido inicialmente nos grandes exércitos imperiais, quando esses impérios precisaram de alargar o seu campo de recrutamento a todos os povos que deles faziam parte. E, se nuns casos os grandes exércitos eram compostos por grandes unidades de nacionalidades diferentes, alturas houve em que era preferível diluir as nacionalidades em unidades normais (acima, Astérix incorporado nas legiões romanas).
Naquele caso, a língua de trabalho das legiões romanas deve ter sido uma corruptela simplificada do latim que nunca teve a dignidade de ficar registada, assim como a literatura do fanagalo deve ser escassa... Provavelemente, a questão das línguas de comunicação nunca deve ter sido um verdadeiro problema militar. Basta lembrar o carácter compósito dos exércitos profissionais europeus da era moderna: acima, em Barry Lyndon, o filme de Stanley Kubrick cuja acção decorre no Século XVIII, o protagonista deserta do exército britânico para ser depois capturado e incorporado à força no exército prussiano… Assim, aquele costume de alguns historiadores de atribuir a problemas de comunicação as causas das derrotas daqueles exércitos multinacionais (o persa ou o austríaco) é explicação capaz de fazer sentido… mas de nem sempre ser muito verdadeira…

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