21 agosto 2007

DA BOLA DE BERLIM À MAÇAROCA DE MILHO

Tendo-se tornado moda, chega a tornar-se engraçada a veemência que se coloca na condenação das actividades da ASAE (Autoridade de Segurança Alimentar e Económica), com os seus elementos a serem descritos como os maus que tiram o pão da boca aos honestos comerciantes nas reportagens de jornal, são equiparados ao regime da Coreia do Norte em blogues ou, sensação desta temporada de Verão 2007, são ridicularizados por andarem a apreender as bolas de berlim aos vendedores de praia, por causa das condições de falta de higiene.
O que eu não consegui ler, mau grado toda esta hostilidade, foi qualquer referência a relatos de interpretações abusivas da lei ou de exercício despropositado de poder por parte dos elementos da ASAE, o que me leva a suspeitar que eles, substantivamente, se limitam a fiscalizar e a implementar a legislação que está em vigor, para cuja aprovação contribuíram tanto como qualquer outro cidadão, através dos seus votos nas eleições que vieram a servir, através da eleição dos deputados, para a composição da Assembleia da República.

Gozar com as bolas de berlim e denunciar mais tudo o resto parece ser assim um caso clássico de apontar para a Lua e ficar a olhar para o dedo, em que mais ridículo fica quem goza do que aquele que é gozado. Creio que não pode ser culpa da ASAE que não estejamos habituados a ter organismos públicos eficientes que tenham por missão fiscalizar e, imagine-se lá, sejam eficientes: fiscalizam! E também não é responsabilidade da ASAE que o conjunto legislativo que eles estão encarregados de fazer cumprir contenha tantos detalhes absurdos…
E é sobre essas questões de pormenor da legislação que, infelizmente, partidos políticos e deputados também não têm o hábito de ser interpelados pelas suas responsabilidades. Alguém se lembrou de endossar os protestos e de pedir os esclarecimentos aos grupos parlamentares do PS e do PSD sobre a proibição das bolas de berlim na praia? É que a aprovação das regras de higiene ao abrigo das quais a ASAE actuou contra os vendedores deve ter sido da responsabilidade de um senão mesmo daqueles dois grupos parlamentares…

Parece que em Portugal (e nos países do Sul da Europa, em geral) está convencionado de há muito que existe uma legislação escrita que normalmente não vale quase nada e há uma outra prática, oral, essa para cumprir. Esse modelo dualista só se torna incomodativamente patente nas suas contradições quando se tenta implementar na prática a legislação teórica, veja-se o caso recente do escândalo das multas dos radares para controlo da velocidade do trânsito em Lisboa, que estão aferidos para limites de velocidade estabelecidos na longínqua década de 1950, mas ainda em vigor*…
Importa também recordar que algumas dos aspectos mais absurdos das normas fiscalizadas pela ASAE resultam da transposição para a legislação portuguesa de normas comunitárias e que a adesão à Europa também traz consigo estas contradições entre a nossa maneira de ser e a de outros, que costumam levar a sério aquilo que se lavra por escrito. É importante que os discursos ocos do grande ideal europeu sejam confrontados pelas pessoas comuns com as situações concretas da proibição do uso das colheres de pau na cozinha, da confecção de joaquinzinhos ou de iscas com elas segundo a receita…

Em conclusão, embora possa sentir-me muito minoritário ao afirmá-lo, eu gosto que exista um órgão de fiscalização que… fiscalize – independentemente do aproveitamento mediático de quem está à sua frente possa fazer… E acessoriamente, até gosto que esses gestos sirvam de instrumento de denúncia deste estilo nacional em que a legislação é levada excessivamente em tom de brincadeira. É que, se todos levarmos, como parece que levamos, o respeito pela lei em jeito de brincadeira, não podemos estranhar que alguns acreditem que o seu desrespeito (abaixo) também possa ser levado do mesmo modo…

* Que nenhum partido teve, até agora, a coragem política de alterar para valores reais, as velocidades praticadas pela esmagadora maioria dos automobilistas…

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