07 julho 2007

A DERIVA AUTORITÁRIA

Parece que andamos por uma época onde, felizmente, não se tem medo das palavras, sobretudo dos superlativos e das construções de maior impacto. Infelizmente, toda essa imaginação não costuma ser expressa com o devido acompanhamento moderador que o conhecimento do passado próximo proporcionaria. Ainda outro dia, um brincalhão aqui fez uma referência (que suponho pretendia jocosa) a Beria. Ora Lavrentyi Beria, o mais importante dirigente do KGB* do período de Staline, é alguém que teve uma carreira de onde tenho dificuldade em extrair efeitos cómicos… Mas vou tentar fazê-lo de outros episódios.
Escutando a sonante expressão deriva autoritária aplicada ao governo de Sócrates dá vontade de a justapor a outras derivas, precisamente a que atravessou a União Soviética durante a década de trinta e que culminou no período do Grande Terror. E, já agora, relembrar como todos esses grandes fenómenos colectivos de repressão são feitos com as contribuições pequenas, mas indispensáveis, de cada um de nós. Falemos então de um sujeito tão banal como Lev Zakharovich Mekhlis (1889-1953), um sujeito tão banal como aquela senhora que foi nomeada Directora Regional da Educação do Norte e que lá continua.

Mekhlis, começara por ser um menchevique**, antes de se juntar tardiamente aos bolcheviques** em 1918, já depois da Revolução de Outubro de 1917. A sua carreira no partido fez-se à sombra de Staline, de quem era um dos assistentes de confiança. Foi nomeado Comissário do Povo para o Controle de Estado e mais tarde ficou encarregado de dirigir toda a Administração Política do Exército Vermelho. Embora não pertencesse ao KGB*, era um exemplar acabado de uma mente policial, de uma fidelidade canina, mas sem imaginação ou preocupação intelectual – os livros de Staline foram descobertos no seu espólio, dedicados pelo autor, mas por estrear…
Simbólico da discrição com que todos aqueles episódios daquela época se passaram, não consigo encontrar na Internet quaisquer fotografias de Mekhlis ou, já agora, de qualquer outro assistente importante de Staline (quando não houve mesmo colaboradores que desapareceram da fotografia – veja-se o caso de Yezhov na fotografia acima) enquanto a da muito pouca fotogénica Dra. Margarida Moreira ali está a encimar este poste. Melhor, está garantido que qualquer assomo de prepotência exercido pelo ou em nome do governo de Sócrates, seja ele factual ou virtual, tem direito ao tratamento devido na comunicação social.

Sobretudo, para percebermos o que é autoridade há que chegar a um episódio de 1937, em que Mekhlis investigou suspeitas que incidiam sobre o Conjunto de Danças e Cantares Bandeira Vermelha e em que informa Staline: (…) a situação do Conjunto Bandeira Vermelha é difícil. Concluí que um grupo de espiões e terroristas tenta tomar o controlo. Demiti de imediato 19 pessoas (…) convoquei o chefe da agência especial***. O Conjunto deve continuar a apresentar-se? Não se sabe qual terá sido a resposta de Staline, mas é bonito de se imaginar Staline no papel de agente artístico…

O que também se pode deduzir é que, tendo o Conjunto de Danças e Cantares Bandeira Vermelha uns 25 a 30 elementos e estando 19 deles presos, no caso de Staline ter dado uma resposta afirmativa as apresentações seguintes ressentir-se-iam muito provavelmente da falta de figurantes… Imagine-se primeiro o que hoje se poderia ter feito de uma notícia destas... E imagine-se depois o que é nos tempos de Staline o chefe da agência especial poderia ter feito dos jornalistas que tivessem dado a notícia sem autorização... Em suma, sejamos moderados e não brinquemos com a palavra estalinismo...

*A polícia política soviética teve diversas siglas ao longo da existência do estado. Esta foi o última, a que durou mais tempo e pela qual é mais facilmente reconhecida.
** Bolchevique e menchevique são designações de duas facções do Partido Social-Democrata Russo (a primeira facção mencionada era dirigida por Lenine), que se hostilizavam como dois partidos rivais.
*** Eufemismo para polícia política. Além de demitidos foram obviamente presos.

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