23 junho 2007

O PERIGO DE QUE OS RICOS NÃO SEJAM SUFICIENTEMENTE RICOS


Reconhecidamente, somos um povo geneticamente invejoso para com aqueles que se distinguem. Mais do que isso, entre nós admitimo-nos como tal, embora possamos complementar essa observação com a constatação de que não seremos o único povo do mundo onde esses maus instintos se verificam. Além disso, também é verdade que os comportamentos da nossa e de todas as sociedades, quando colectivos, não são fenómenos que primem pela moral e pelo racional.

O que poderia ser mais racional é o artigo de um jornal de economia, onde se explora esse aspecto geral da nossa inveja colectiva pelo sucesso e se o transpõe para o caso particular dos lucros elevados das empresas que tendem, segundo o autor, a ser vistos – segundo muitas opiniões publicadas – como moralmente condenáveis, o que é um entendimento perigoso. O título do artigo é Lucros Malditos, vem publicado no Diário Económico, e o seu autor e das palavras citadas acima é Vítor Bento.

Uma das características destes textos é que eles parecem pretender tratar das grandes causas da economia (não é possível aceitar a economia de mercado e pretender usufruir das suas virtudes sem aceitar as suas regras e a sua moral) mas a verdade é que, à proximidade, se revelam, substancialmente, textos ideológicos e da ideologia ultra-liberal mais pura e sem gelo. O que me aborrece sobremaneira, por se camuflarem naquilo que não são e parecerem tentar iludir quem não conheça o assunto.

É que frases como A procura do lucro estimula a empresa a servir melhor os clientes, porque quanto melhor os servir, mais clientes espera ter e quantos mais tiver, mais lucros espera obter parecem ser daquelas platitudes muito simétricas às pretensões que se deve pôr fim à exploração do homem pelo homem que são típicas do espectro político oposto. Em doutrina, é evidente que as empresas desejam captar-me como cliente e servir-me bem, como suponho que ninguém aprecia ver gente explorada…

O azar é que os exemplos retirados dos mercado de concorrência perfeita, modelares, bacteriologicamente puros, raramente são problema: não são excessivamente regulamentados e o acesso (e a saída) da actividade não têm obstáculos. Quando uma actividade regista lucros elevados essa actividade tende a ter mais concorrentes, conforme postula a teoria. Alguém se lembra da profusão de Croissanteries que houve em Portugal na década de 80? Já repararam como agora pululam por aí Ópticas e Mediadoras Imobiliárias?

Mas os exemplos mencionados no artigo por Vítor Bento não são de actividades deste género: foi a bancária (claro está) ou a das telecomunicações (TLP). Ora, não se funda (ou fecha) um banco ou um operador de telecomunicações com a simplicidade com que se faz isso com o café (ou a Croissanterie) da esquina… Nos dois casos mencionados, trata-se de negócios em que as suas próprias características conduzem a que haja apenas um punhado de empresas que dominam a actividade - um oligopólio.

É muito antiga, não é portuguesa, nem tem pretensões a ser doutrina económica, mas Vítor Bento conhecerá, com certeza, a anedota em que se pergunta qual o negócio mais rentável do mundo? É uma companhia petrolífera bem gerida. E o segundo negócio mais rentável? Uma companhia petrolífera mal gerida… Cínica, há muito de verdadeira na conclusão que dela se extrai que a rentabilidade e os lucros que se obtêm de uma empresa dependem fundamentalmente do ramo de actividade em que opera.

Vigorassem verdadeiramente naquelas duas actividades as condições de mercado de concorrência perfeita que Vítor Bento evoca, sem explicar que ali não se aplicam, e tenho a certeza que ele não teria que se preocupar com as muitas opiniões publicadas, que lhe parecem miserabilistas quanto às dimensões dos lucros… Porque os perigos actuais, a havê-los, parecem-me não ser aqueles que menciona, mas sim casos como o do defunto Édouard Michelin que depois de anunciar lucros recordes nas suas empresas, anunciava em Setembro de 1999 a supressão nelas de 7.500 postos de trabalho…

Uma nota final, mas importante, referindo que tratando o artigo dos lucros elevados, de que um dos exemplos mais relevantes tem sido o caso da banca, teria sido curial que Vítor Bento também se tivesse identificado no final do mesmo, para além do seu cargo de Vice-Presidente do Fórum para a Competitividade, como o Presidente da Sociedade Interbancária de Serviços (SIBS). É que a competitividade é factor muito importante para a geração de lucros, mas este seu segundo cargo teria sido talvez muito mais importante para percebermos a fundamentação de toda a sua opinião…

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