01 maio 2007

UMA CURTÍSSIMA HISTÓRIA DA POLÓNIA

A História do país que conhecemos por Polónia e a dos seus nacionais que designamos por polacos não são escrupulosamente a mesma coisa. O projecto político do país designado por Polónia evoluiu significativamente ao longo dos últimos 1.000 anos – a data histórica da sua fundação é o ano de 966. O reino polaco inicial até se localizava, muito aproximadamente, onde hoje se situa a Polónia moderna, como se vê abaixo. Conjuntamente com a Hungria, situada mais a sul, a Polónia é uma das primeiras estruturas que, com a ajuda da Igreja, procura organizar os povos eslavos do Leste da Europa importando o modelo feudal vigente no resto do continente, para equilibrar o poder do Imperador do Sacro Império germânico, rival do papa.
Esta Polónia inicial, que costuma ser designada por Polónia dos Piasts, empregando o nome da dinastia mais significativa e duradoura desse período, existiu durante uns 400 anos, sempre submetida à pressão da colonização alemã vinda do Oeste, mas também do Norte, das margens do Mar Báltico, através das cidades Hanseáticas e dos Cavaleiros Teutónicos. A Polónia de 1385, precisamente o ano em que João I em Portugal deu início à dinastia de Avis, era já um pequeno reino que perdera a Boémia, a Morávia, os territórios entre os rios Elba e Óder, fora sendo empurrado progressivamente para Leste e até perdera as saídas para o Mar Báltico.

Em 1386, a filha do último rei da Polónia casou com o Grão-Duque da Lituânia, Ladislau II Jagelão, que se baptizou durante a cerimónia. Ao contrário do que a dimensão dos países actuais poderia indiciar, os territórios da Lituânia medieval sob a tutela do Grão-Duque eram incomensuravelmente superiores aos da Polónia: pelo traçado das fronteiras modernas correspondem à Lituânia, à Bielo-Rússia, a uns 75% da Ucrânia e a pequenas parcelas da Rússia ocidental. Provavelmente não se tratou de um casamento de amor, mas as acusações de casamento por interesse assentariam melhor à Polónia; aliás, a associação entre os dois estados foi frutuosa.
Esta Polónia dos Jagelões, tem uma localização geográfica substancialmente a Leste da anterior, e também teve os seus 400 anos de duração (1386-1795), tendo atingido o seu apogeu em meados do Século XVI. A união dos recursos militares de quase todos os eslavos ocidentais (embora liderados pelos lituanos) permitiu travar a expansão teutónica (Tannenberg – 1410) e entre os dois parceiros criou-se uma orgânica de complementaridade, com a Polónia a fornecer sobretudo as elites intelectuais, a Lituânia as elites militares (mas educadas - quando educadas... - na cultura polaca) e com a tolerância aos judeus a criar uma descomunal classe urbana e mercantil dessa confissão.

A dinastia dos Jagelões veio a extinguir-se em 1572, mas a associação dos dois estados permaneceu, formalizada por um documento chamado União de Lublin de 1569, unificando as Cortes dos dois estados numa Dieta única. Esta Polónia daquela época representa em tudo, menos no nome, um respeitável império oriental europeu que, apesar de comparativamente subdesenvolvido, superava em área e população o da Áustria da mesma época, por exemplo. O maior problema dessa Polónia – como aconteceu mais tarde com a Áustria – era o da coesão entre as suas várias nacionalidades e religiões.

Os Lituanos não são eslavos, mas a esmagadora maioria das outras populações originais são-no, variando progressivamente de Oeste para Leste de entre os que falam polaco (que são católicos) até aos que falam russo (que são ortodoxos), passando pelas fases intermédias dos bielorussos e dos ucranianos (onde havia quem seguisse o rito bizantino mas também fosse uniata – ou seja, obediente à hierarquia do Vaticano). Espalhados por quase todo o território havia que adicionar ainda os judeus, predominantemente urbanos, cujo idioma de comunicação preferencial era o iídiche, um idioma germânico. Só em alfabetos há logo três: latino, cirílico e hebraico.

Analisando a Europa globalmente, a existência da Polónia dos Jagelões representava um cenário estrategicamente muito diferente daquele que existe hoje. Fazendo uma simulação que a explique melhor e onde se empreguem alguns números redondos, basta constatar que, na actualidade, entre a Alemanha (com mais de 80 milhões de habitantes) e a Rússia (com quase 150 milhões) encontramos três grandes estados de permeio: Polónia (40 milhões), Bielo-Rússia (10) e Ucrânia (50). Imagine-se agora como as análises estratégicas sobre a distribuição do poder na Europa teriam de ser completamente alteradas se esse centro fosse preenchido com uma Mega-Polónia de 90 ou 100 milhões de habitantes entre alemães e russos…

Foi essa Polónia, que se tornou um reino electivo depois de 1572, que se tornou o inimigo a abater pelos dois (mais a Áustria) e que acabou por ser desmontada até desaparecer completamente em três partilhas consecutivas entre 1772 e 1795, efectuadas com a participação dos Impérios russo e austríaco e do Reino prussiano. Napoleão ainda reconstituiu um Grão-Ducado de Varsóvia em 1809, mas foi um estado com a configuração Piast, formado sobretudo a partir de territórios que haviam sido anexados previamente pelos prussianos, num gesto que, tendo algo de estratégico, evidentemente, teve muito mais de simbólico, no que concerne a uma verdadeira alteração dos equilíbrios europeus.
Foi um pouco nesse mesmo estilo, o de tratar o problema polaco pelas aparências do seu valor simbólico, que o Congresso de Viena de 1815, encarregue de definir fronteiras depois de Napoleão as ter desfeito, tornou a criar um Reino da Polónia (a amarelo e rosa, no mapa acima -era mais pequeno que o Grão-Ducado de Napoleão…) onde o rei era o czar russo… No século que mediou entre 1815 e 1918, onde as terras habitadas por polacos étnicos estiveram repartidas por três tutelas distintas (austríaca, prussiana e russa) para comparar, as maiores razões de queixa polacas quanto à repressão política e cultural vão para os russos… Algo que a televisão da Polónia socialista não podia mencionar

O dilema que se colocava aos dirigentes polacos que ressuscitaram o país depois da Primeira Guerra Mundial (1918) era o contorno que ele assumiria: a Oeste ou a Leste? Coeso ou imperial? Piast ou Jagelão? Entre as potências vencedoras, o Reino Unido recomendava vivamente a primeira solução: uma Polónia coesa etnicamente, daí a proposta da linha Curzon*. Mas outros valores também estavam em causa, nomeadamente a contenção da expansão da Revolução soviética, que era a linha predominante do lado francês. E havia também as intenções de Jozef Pilsudski (1867-1935), o líder polaco, figura a merecer um poste dedicado…

A sua vitória na guerra polaco-soviética de 1919-20 (uma guerra muito pouco conhecida) permitiu aos polacos que empurrassem a sua fronteira descaradamente para Leste. A população assim absorvida, não sendo polaca, também não era russa, e o mito romântico da Polónia que as potências apadrinhavam era um mito nacional, não imperial… Mas as regiões anexadas eram as mais pobres do país e, no computo global, poderão ter sido um mau negócio, ponderando os recursos que dali se extraíram e o grau de exposição que as regiões propiciaram… A Polónia voltou a ser retalhada entre alemães e russos em 1939.
Já me referi neste blogue, em poste anterior, à configuração da Polónia actual, que saiu dos rearranjos de 1945 impostos por Staline e aceites por Churchill e Roosevelt (que remédio!), implicando a deslocação forçada de milhões de alemães dos territórios que faziam parte da antiga Prússia para Oeste, criando assim espaço para que outros milhões de deslocados, os polacos que viviam a oriente, para lá da linha Curzon, se pudessem instalar. Foi um regresso à Polónia de há 1.000 anos, a dos Piasts. Mas, em qualquer dos dois formatos, a Polónia permanece simultaneamente receosa e ambiciosa em relação à vizinhança próxima… Mas isso fica para um próximo poste...
*Nome do ministro britânico dos Negócios Estrangeiros da época, Lorde Curzon. Observável a verde no último mapa.

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