19 maio 2007

O PESO DA COLABORAÇÃO AMERICANA PARA A VITÓRIA SOVIÉTICA

Quando em 25 de Abril de 1945, as vanguardas dos exércitos norte-americanos e soviéticos se encontraram no meio da Alemanha, sobre uma ponte destruída no Rio Elba, numa cidade chamada Torgau, num acontecimento que foi muito fotografado e propagandeado pelo seu simbolismo, assinalando a eminência da derrota da Alemanha, os vulgares soldados americanos descobriram, surpreendidos, que, de entre o vocabulário de meia dúzia de palavras inglesas que os seus homólogos soviéticos conheciam (em simetria com a meia dúzia de palavras de russo que eles conheciam...), se contava – e com muito apreço – a palavra Studebaker.
Ora Studebaker era a marca de uma construtora de camiões* que, ao abrigo da Lei de Empréstimo e Arrendamento (mais conhecida pela sua designação original em inglês: Lend Lease), fornecera ao Exército Vermelho 67.000 dos seus camiões US-6 x 4, ou seja, cerca de um terço de toda a sua produção de guerra. O caso dos camiões Studebaker foi um caso especial de imenso sucesso da aceitação de um produto norte-americano pelos soviéticos (veja-se abaixo a adaptação para rampa de lançamento dos famosos foguetes Katyusha), mas muitos outros casos houve, embora de menor visibilidade.
Costuma ser muito elogiada, e com toda a propriedade, a capacidade que os soviéticos demonstraram, logo depois da invasão de Junho de 1941, de transferir as suas indústrias militares para o Leste, para fora do alcance da progressão alemã, conseguindo ao mesmo tempo mantê-las em condições operacionais. Foi assim que a produção de guerra das indústrias soviéticas acompanharam, quando não superaram mesmo, durante o conflito, as alemãs quanto a equipamentos directos de combate como carros blindados, peças de artilharia, aviação de combate, armamento individual e munições. Mas para que isso fosse alcançado houve uma contrapartida que costuma ser menos divulgada…
Vale a pena referir que houve até uma fase inicial onde os soviéticos foram mesmo abastecidos com material de guerra de origem britânica e norte-americana. Mas, compreensivelmente, são muito raras as fotografias como a de cima, onde se vê uma tripulação soviética de um M-4 Sherman americano**. Mas isso nem era o mais importante porque os problemas principais para que a União Soviética se mantivesse na Guerra situavam-se na resolução do problema da quebra da sua produção alimentar e na manutenção de redes de distribuição. Para além da população civil que trabalhava nas fábricas, como alimentar o Exército Vermelho e assegurar-lhe a logística que o mantivesse em operações?

Tendo como referência a produção agrícola soviética em 1940, ela baixou para 60% no primeiro ano da invasão, e para 40% em 1942 e 1943. Em 1945 havia regressado ao nível de 1941. Este deficit foi, obviamente, colmatado por importações de milhares de toneladas de produtos em conserva norte-americanos. Quanto aos meios para coordenar a sua distribuição, entre Outubro de 1941 e Junho de 1942, os Estados Unidos entregaram à União Soviética 1.300 aviões, 2.250 blindados, 81.300 metralhadoras, 36.800 camiões, 56.500 telefones de campanha e 614.000 Km de fio telefónico***.

A Guerra-Fria fez com que, de um lado e doutro mas por razões diferentes, se passasse uma esponja sobre esse passado. Mas, se os números estiverem certos, impressiona o poder da máquina industrial norte-americana que abastecia assim os seus aliados enquanto nada parecia faltar aos seus próprios soldados: em Junho de 1941, a Alemanha começou a invasão com 1.830 aviões, 3.580 blindados e 600.000 veículos motorizados e entre Julho de 1942 e Junho de 1943, os Estados Unidos – faça-se a comparação – forneceram à União Soviética 3.000 aviões, 4.000 blindados e 520.000 veículos motorizados…

É óbvio que o que motivou tudo isto foi apenas o realismo político, que reconhecia que os soldados soviéticos que combatiam e morriam em luta contra os alemães também representavam menos soldados norte-americanos mortos nessa mesma tarefa… Mas, perante esta realidade, o que talvez surpreenda é que os soldados soviéticos não conhecessem mais palavras inglesas. Mas talvez a especificação do governo soviético que proibia que as rações de combate exportadas para a União Soviética e consumidas pelo Exército Vermelho contivessem qualquer menção à origem dos produtos enlatados possa explicar em parte essa ignorância…

* Embora continue a existir como empresa, a construtora de veículos foi desactivada em 1966.
** É compreensível que assim fosse. Também não são muito abundantes as fotografias de época com militares britânicos usando equipamento norte-americano...
*** Em valor, os produtos alimentares representaram 20% de todo o auxílio norte-americano e os veículos de transporte 23%. Nesta escala perde-se um pouco a proporção da alimentação fornecida que foi enorme: imagine-se o volume em latas de salsichas ou em sacas de arroz necessárias para que elas atinjam o mesmo valor de um camião... Mas os produtos industriais não especificados (não relacionáveis directamente com a actividade militar) quase atingiram os 40% do total!

1 comentário:

  1. E os cargueiros que asseguravam esses abastecimentos eram um alvo preferencial para os submarinos alemães... Não foram poucos aqueles que nunca chegaram ao destino!

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