07 maio 2007

MIKHAIL TUKHACHEVSKY, O MARECHAL SOVIÉTICO QUE PODIA TER SIDO

A União Soviética foi um país repleto de marechais, uma patente militar que só muito excepcionalmente é conferida noutros países. Num gesto supremo da mistura ridícula entre o político e o militar, alguns dos Marechais da União Soviética, chamaram-se Josef Estaline, Lavrenty Beria ou Leonid Brejnev… Mas, como um império continental, mobilizador de exércitos de milhões em situação de guerra, a União Soviética terá sido, conjuntamente com a Alemanha, uma das duas potências do Século XX onde a atribuição da patente ultrapassará o simbolismo de salão.

Os perfis e carreiras dos Marechais soviéticos, mesmo aqueles que mais se distinguiram durante a Segunda Guerra Mundial, são relativamente pouco conhecidos do grande público no Ocidente, para além dos nomes dos mais conhecidos: Zhukov, Koniev e Rokossvski. Mas, entre o círculo de iniciados conhecedores, o nome de Mikhail Tukhachevsky parece pairar como um mito de um militar brilhante que poderia ter tornado a Segunda Guerra Mundial muito diferente, não tivesse sido ele executado em 1937 durante as grandes purgas estalinistas.

Como todos os que podiam ter sido (que fazem um clube com sócios tão diversos como Sá Carneiro, Tancredo Neves ou James Dean), a avaliação da personalidade e importância histórica de Mikhail Tukhachevsky depende muito mais do perfil de quem a faz do que dos méritos que a sua carreira factualmente contém. A de Tukhachevsky começa em 1893, quando nasceu, o quarto de nove filhos, numa família de uma remota ascendência aristocrática e polaca (a atender no nome), mas cuja realidade económica era bem mais prosaica, atravessando dificuldades.

O que não quer dizer que a família Tukhachevsky fosse também intelectualmente pobre, antes pelo contrário. Se o gosto pela música servir de indicativo de riqueza, então saiba-se que o pai e um irmão mais novo tocavam piano, Mikhail e outro irmão, violino, e o seu irmão mais velho, violoncelo. Mas terão sido as dificuldades económicas a levá-lo, como tivera sempre um distinto percurso escolar, a seguir a carreira militar aos 18 anos. E três anos depois, graças à aplicação, estudo e também ao seu domínio de línguas (alemão, francês e inglês), tornava-se um jovem oficial brilhante, muito promissor.

A Primeira Guerra Mundial começou no ano da sua formação (1914) e Tukhachevsky foi feito prisioneiro pelos alemães em Fevereiro do ano seguinte. Passou os dois anos e meio seguintes num campo de prisioneiros de guerra em Ingolstadt, na Baviera, em companhia de muitos outros prisioneiros mas onde havia um outro destinado a tornar-se ainda mais famoso do que o russo: Charles de Gaulle. Uma daquelas coincidências da história que provavelmente nem é muito significativa mas que se presta a saborosas especulações.

Libertado e regressado à Rússia em Outubro de 1917, acabou por se apresentar a Trotsky em Moscovo nos começos de 1918, quando este andava à procura de quadros para o Exército Vermelho. Relativamente preservado do desgaste da própria guerra que acabara de terminar no Leste pela capitulação soviética, em Abril de 1918 o jovem (25 anos) Mikhail Tukhachevsky aderiu ao Partido Comunista, iniciando um processo de ascensão – por mérito próprio – dentro da hierarquia militar soviética que apenas os períodos revolucionários propiciam a gente tão jovem.

A maioria das operações da Guerra Civil russa (1917-22) foram um ensarilhado de improvisações, propícias ao relevo daquele tipo de chefes militares que se desenrascam. Tukhachevsky, que provavelmente apenas terá recebido formação clássica de comando até ao nível de companhia, revelou-se um criativo muito bem sucedido no comando de unidades de muito maior dimensão. Mas se o percurso de Tukhachevsky regista várias campanhas vitoriosas a seu crédito, também há que mencionar a estrondosa derrota na campanha da Polónia de 1920.
Existe uma corrente de opiniões, muito forte e presciente, que vê nessa campanha o prelúdio das divergências entre Estaline e Tukhachevsky, que culminarão na sua execução 17 anos depois. É rebuscado. Tukhachevsky era originalmente, um homem de Trotsky, mas considerado também como um duro (a quem se atribuiu o comando da repressão da sublevação dos marinheiros de Kronstadt, por exemplo) e reconhecido com uma qualidade técnica tal que se podia posicionar de forma neutral em relação às disputas internas que se sucederam à morte de Lenine.

Tornado adjunto de Mikhail Frunze (um político tornado militar) em 1924, Tukhachevsky tornou-se, depois da morte inesperada deste, seu substituto como Chefe do Estado-Maior General do Exército Vermelho (1925-28). Aí, encarregue da reestruturação da organização parece ter sido atingido o seu ponto de excelência enquanto criador de doutrina operacional. Apesar de tratado desfavoravelmente em relação ao círculo dos militares próximos de Estaline (Voroshilov, Budenny, duas mediocridades), Tukhachevsky desenvolveu um outro lóbi…

Devido à sua desenvoltura com línguas estrangeiras, Tukhachevsky tornou-se o candidato natural a representar o Exército Vermelho nos vários encontros com os homólogos europeus onde a sua personalidade causava um tremendo impacto entre os preconceituosos generais ocidentais que estavam à espera de encontrar antigos sargentos de cavalaria reciclados. Para mais, Tukhachevsky parecia ter ideias novas, distintas e interessantes quanto ao emprego táctico combinado de unidades de blindados ou de forças pára-quedistas, mais tarde designadas por Operações em Profundidade.

À medida que Tukhachevsky se tornava um sucesso no Ocidente (que visitou por várias vezes), o seu carisma no exterior crescia. Há apreciações elogiosas a seu respeito de grandes generais alemães (Erich Von Manstein), britânicos (Sir John Dill) ou franceses (Maurice Gamelin). Mas a inveja no interior da União Soviética também crescia. Mikhail Tukhachevsky foi (mais) uma das vítimas das purgas estalinistas que afectaram severamente o alto comando militar soviético. A severidade do abalo é de atribuir tanto aos que foram afastados como à selecção dos que os substituíram.

O desnorte provocado no Exército Vermelho por estas depurações pode ser sintetizado (e simplificado) no facto (pouco conhecido) de, em 22 de Junho de 1941, quando a Alemanha invadiu a União Soviética, esta última possuía o triplo dos blindados da primeira, mas não tinha adoptado nenhuma doutrina de emprego táctico dos mesmos que contrariasse a progressão das unidades blindadas alemãs (a famosa blitzkrieg), cujas tácticas já eram perfeitamente conhecidas dos soviéticos das campanhas da Polónia (Setembro de 1939) e da França (Maio e Junho de 1940).

Contudo, será exagerado arriscar – como é frequente ler – como a presença de Tukhachevsky teria alterado substancialmente o desenrolar do início da invasão. Por um lado porque o Alto Comando soviético possuía ainda generais muito competentes, embora menos populares no Ocidente (Boris Shaposhnikov, por exemplo), de que Estaline teve que se socorrer… Mas sobretudo porque a responsabilidade do que aconteceu foi sobretudo uma responsabilidade política de Estaline. Foi ele que nomeou os amigos, foi ele que não quis ouvir os avisos que o alertavam para uma invasão alemã.

Uma guerra, como dizia Clausewitz e nunca nos devemos esquecer, é um fenómeno político. A única forma que concebo em que Mikhail Tukhachevsky poderia ter alterado substancialmente os acontecimentos de 1941 a 1945, e mesmo antes disso, teria sido se Estaline tivesse tido razão nas suas suspeitas e o Exército Vermelho, com Tukhachevsky à cabeça, o tivesse derrubado e executado preemptivamente…

Nota: A segunda fotografia refere-se aos primeiros cinco Marechais da União Soviética (em 1935). Três deles foram executados durante as purgas. Os outros dois, protegidos de Estaline e de uma incompetência comprovada, foram afastados rapidamente de quaisquer aspectos da condução da guerra em 1941-42. Sentados, da esquerda para a direita: Mikhail Tukhachevsky (1893-1937, executado), Kliment Voroshilov (1881-1969), Alexander Yegorov (1883-1939, executado). De pé, na mesma ordem: Semyon Budenny (1883-1973) e Vasily Blyukher (1889-1938, executado).

2 comentários:

  1. http://chss.montclair.edu/english/furr/tukh.html
    New Light On Old Stories About Marshal Tukhachevskii : Some Documents Reconsidered

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  2. Este «poste» foi escrito por mim em Maio de 2007.

    Ora este comentário precedente foi inserido em Julho de 2011 (4 anos depois!) e remete para um site que não foi alterado desde Março de 1999 (há mais de doze anos!) e que vai buscar o seu material a um artigo de uma revista soviética de 1986...

    Ora 1986 foi há 25 anos, ainda havia União Soviética e razões políticas para que houvesse um esforço tão discreto quanto persistente para que se minorasse o carácter paranóico da «yezhovshchina»: as perseguições políticas do final dos anos 30 sob Staline.

    Que o comentador anterior queira que teorias velhas e politicamente motivadas com 25 anos de antiguidade passem por novidade fala por si...

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